"As coisas encobertas pertencem ao nosso Deus, mas as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que observemos todas as palavras desta lei."
Deuteronômio 29:29

Capítulo e Verso Comentário Adventista > Gálatas
Gl.1:1 1. Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos,

Apóstolo. Ver com. de Rm.1:1. Habitualmente, Paulo fala de si mesmo como apóstolo sem tentar justificar sua reivindicação ao título. Aqui, no entanto, a defesa prolongada de seu apostolado (Gl.1:1-2:14) indica que as igrejas às quais ele se dirigia tinham dúvidas a esse respeito. Seu evangelho era de origem divina (Gl.1:6-10). Ele era genuinamente convertido (v. Gl.1:12-18) e tinha sido recebido à comunhão das igrejas da Judeia (v. Gl.1:19-24). Sua posição sobre a circuncisão fora aprovada pelos líderes de Jerusalém (Gl.2:1-6). Seu chamado como apóstolo aos gentios fora reconhecido por eles (v. Gl.2:7-10). Sua autoridade como apóstolo era igual à dos doze.

Não da parte de homens. Seus oponentes negavam sua pretensão de autoridade apostólica, alegando que ele não havia sido nomeado nem comissionado pelos doze. Isso ele admite, mas, ao mesmo tempo, reivindica uma ordenação ainda mais importante.

Por Jesus Cristo. Paulo, como os doze, havia recebido sua comissão diretamente de Cristo. O papel de Ananias fora secundário (ver At.9:17-20; sobre os títulos “Jesus” e “Cristo”, ver com. de Mt.1:1).

Dentre os mortos. A autoridade de Paulo como apóstolo provinha do Cristo ressuscitado. A referência à ressurreição de Cristo na saudação de uma carta é peculiar à carta aos Gálatas. É evidente que os falsos irmãos da Judeia, que levavam os crentes gálatas a se desviar, contestavam a validade do apostolado de Paulo, pelo fato de que ele não tivera o privilégio da associação pessoal com Cristo tanto quanto os doze e que não fora chamado quando eles foram eleitos. Baseados nesse fato, chegaram à conclusão de que ele era inferior aos doze, e davam a entender que, uma vez que ele não tinha sido selecionado formalmente nem comissionado por eles, era um impostor, e seu evangelho não era confiável.

Gl.1:2 2. e todos os irmãos meus companheiros, às igrejas da Galácia,

Os irmãos. Era costume de Paulo incluir os nomes de seus companheiros nas saudações de suas epístolas. Por exemplo, em 1Co.1:1, ele menciona Sóstenes e, em Fp.1:1, Timóteo. Em vista da possibilidade de que esta epístola e a de Romanos foram escritas quase ao mesmo tempo em Corinto, talvez se refira aqui aos irmãos mencionados em Rm.16:21-23.

Às igrejas da Galácia. Ver p. 1029. A saudação desta carta está em contraste marcante com quase todas as outras que Paulo escreveu. Não há expressão de afeto pessoal, como “amados” (Rm.1:7), ou de confiança em sua lealdade para com a verdade (1Ts.1:3). Não se expressa gratidão pela fidelidade ou serviço cristão. Ele sequer se refere aos Gálatas como “santos”. Talvez isso reflita o grau da apostasia reinante. Paulo não encontrou nada para elogiar.

Gl.1:3 3. graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do [nosso] Senhor Jesus Cristo,

Graça [...] e paz. A saudação habitual em quase todas as epístolas de Paulo (ver com. de Rm.1:7; 1Co.1:3). No entanto, qualquer que fosse o sentimento de Paulo sobre a deserção dos gálatas, ele não os amava menos. Seu desejo sincero para com eles era que recebessem a graça que vem de Deus ao ser humano como uma dádiva por meio da fé em Jesus Cristo. A preocupação de Paulo nesta epístola era impressioná-los novamente com a grande verdade de que a justiça vem de Deus, como um favor (ver p. 1030, 1031). Ela nunca pode ser conquistada por obras, mas somente crendo no sacrifício expiatório de Cristo. Quando o pecador recebe essa graça, desfruta a paz (ver com. de Rm.5:1; Fp.4:7).

Gl.1:4 4. o qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai,

O qual Se entregou a Si mesmo. Ver com. de Mt.20:28; Rm.4:25. O tema desta epístola é a salvação por Jesus Cristo. Os gálatas tinham se afastado dessa verdade espiritual e aceitado o falso ensino de que a salvação pode ser merecida. A aceitação dessa doutrina antibíblica os tinha levado praticamente a ignorar a morte expiatória de Cristo. Quando Jesus Se entregou a fim de nos livrar do castigo do pecado, não só Se ofereceu como sacrifício em favor do ser humano, para sofrer e morrer em seu lugar, como também Se uniu à família humana e identificou os interesses dela com os Seus (ver com. de Fp.2:6-8).

Pelos nossos pecados. Ver com. de Is.53:4-6.

Deste mundo perverso. Ou seja, do pecado prevalecente e da corrupção do mundo. Por nós mesmos, somos impotentes para escapar (ver com. de Rm.7:24-8:4). Aos gálatas, que tão logo esqueceram as grandes verdades da justificação e santificação, e se voltaram às obras da lei como meio de salvação, Paulo apresenta mais uma vez a grande verdade de que Jesus, por Seu sacrifício expiatório, proveu uma via de escape a todos os que O aceitam. Qualquer tentativa de ganhar a vitória sobre o mal do mundo mediante os próprios esforços está em desacordo com a vontade de Deus. Por isso, em sua breve introdução, Paulo apresenta por escrito seu objetivo. Se os gálatas persistissem em seu legalismo, não poderiam ter esperança de libertação do pecado na vida terrestre, nem de ser admitidos no mundo futuro, livre de pecado.

Segundo a vontade. Ver com. de Is.53:10; Jo.3:16.

Nosso Deus e Pai. Ambos os termos se referem à mesma pessoa.

Gl.1:5 5. a quem seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém!

A quem seja glória. Ao pensar na grande dádiva do amor de Deus, o apóstolo se inspirava a irromper em uma declaração de louvor. Por toda a eternidade, os remidos cantarão louvores Àquele que, mediante Seu infinito sacrifício, tornou possível a salvação eterna (sobre a palavra “glória”, ver com. de Rm.3:23).

Amém. Ver com. de Mt.5:18.

Gl.1:6 6. Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho,

Admira-me. Este é o único caso em todas as suas epístolas às igrejas, em que Paulo não expressa gratidão nem alegria. Em vez disso, há uma manifestação de profunda perplexidade. Como os gálatas poderiam esquecer tão rapidamente as verdades do evangelho e todas as evidências do chamado de Deus, que uma vez significou tanto para eles, para ir atrás de falsos mestres, que contradiziam tudo o que Paulo lhes havia ensinado? Não muito tempo antes disso, eles tinham aceitado a Cristo como seu substituto e se regozijavam na libertação do pecado, por meio da fé. Então, aceitavam a expiação de seus pecados por meio de obras da lei. Em realidade, estavam negando a validade de sua própria experiência anterior.

Estejais passando. Do gr. metatithemi, “transferir”, “desertar”. O verbo está no tempo presente, indicando que a apostasia ainda estava em processo quando Paulo escreveu a carta. Esse afastamento da fé foi repentino e progredia rapidamente. A flexão do verbo também indica que eles eram responsáveis por abandonar Paulo. Outros os haviam influenciado, mas eles responderam voluntariamente a essa influência. Isso, é claro, não absolvia os falsos mestres.

Tão depressa. Provavelmente, “tão depressa” após a conversão, mas, possivelmente, depois de terem ouvido “outro evangelho”.

Daquele que vos chamou. Os comentaristas não chegam a um acordo sobre se esta frase se refere a Deus, a Cristo ou a Paulo. No entanto, Paulo sempre se refere a Deus, o Pai, como aquele do qual procede o chamado do evangelho (ver Rm.8:30; Rm.9:11; 1Co.1:9). Porém, foi por meio de Paulo que Deus fez Seu gracioso chamado aos gálatas (cf. 2Co.5:18-20).

Outro evangelho. Ou seja, outro (heteros) de um tipo diferente (ver com. de 2Co.11:4). O “evangelho” dos falsos mestres não era uma variante do evangelho de Paulo, mas algo completamente diferente. Na verdade, não era um evangelho (cf. Gl.1:7). Não existe outra boa notícia a não ser a salvação por meio de Jesus Cristo (At.4:12). Paulo pregava que os homens são salvos pela fé, sem as obras da lei. Qualquer tentativa de sobrepor as obras à fé como meio de salvação é uma perversão do evangelho, pois nega tanto a necessidade como a eficácia do sacrifício de Cristo (sobre a palavra “evangelho”, ver com. de Mc.1:1; quanto às tentativas de misturar o judaísmo com o cristianismo, ver p. 39-41).

Gl.1:7 7. o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo.

Não é outro. O que os judaizantes pregavam não era absolutamente o “evangelho”, mas uma perversão, ou falsificação, do evangelho.

Há alguns. Paulo não designa os judaizantes pelo nome, mas sugere que são apenas indivíduos que não representam ninguém senão a si mesmos, e cujo único propósito é buscar interesses pessoais.

Perturbam. Do gr. tarasso, “agitar”, “perturbar”, “confundir” a mente com relação a alguma coisa. Neste caso, sugerindo dúvidas e escrúpulos acerca da validade do evangelho proclamado por Paulo.

Gl.1:8 8. Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema.

Nós. Evidentemente se trata de Paulo e, possivelmente, dos colaboradores mencionados no v. Gl.1:2. Paulo usava o pronome na primeira pessoa do plural quando se referia a si mesmo.

Anjo do Céu. Dificilmente Paulo poderia fazer uma afirmação mais vigorosa sobre a certeza do evangelho que ele pregava. Seria incrível que um anjo do Céu levasse os seres humanos ao erro.

Além daquele. Ou, “contrário a”. “Outro evangelho”, isto é, um evangelho diferente seria contrário ao verdadeiro. Deus não muda, nem Se contradiz.

Anátema. Do gr. anathema, “uma coisa amaldiçoada”, isto é, dedicada ao castigo merecido. Neste caso, a sofrer a ira de Deus. Na LXX, anathema é usada em lugar do substantivo heb. cherem, relacionado com o verbo charam, e significa uma pessoa ou coisa destinada à destruição (ver com. de 1Sm.15:3). Espiritualmente, denota o estado de quem está alienado de Deus, pelo pecado. Tal como se usa no NT, não se refere à excomunhão eclesiástica, como foi praticada nos séculos seguintes, mas, sem dúvida, inclui alguma forma de separação da igreja. No caso do homem imoral da igreja de Corinto, Paulo havia aconselhado que ele fosse removido da igreja (1Co.5:2).

Gl.1:9 9. Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema.

Como já dissemos. Em uma visita anterior, Paulo havia advertido os gálatas contra os falsos mestres que tentariam perverter o evangelho (cf. At.20:29-30). Esse aviso anterior deveria tê-los protegido contra tais impostores.

E agora repito. Paulo passa da primeira pessoa do plural, “nós”, para o singular, “eu”, com a intenção de aplicar sua autoridade pessoal como apóstolo à declaração que está prestes a repetir.

Anátema. Ver com. do v. Gl.1:8.

Gl.1:10 10. Porventura, procuro eu, agora, o favor dos homens ou o de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo.

O favor dos homens. Ou seja, agradá-los a fim de obter seu favor (comparar com Mt.28:14). O que Paulo acabava de dizer quanto aos gálatas e a forma de tratar os que se opunham ao evangelho (Gl.1:6-9) de nenhuma maneira pode ser interpretado como uma tentativa de obter o favor dos homens. Talvez essa pergunta fosse a resposta a uma acusação contra Paulo por parte dos falsos mestres, de que, segundo eles, ele havia tentado conquistar o favor dos gálatas pela lisonja e subterfúgio.

Servo de Cristo. Como servo de Cristo, Paulo devia fazer todo o possível para salvar as pessoas, não para agradá-las. Se ele tentasse “agradar as pessoas”, sem considerar sua obrigação como pregador do evangelho, ele não seria fiel à sua vocação como servo de Cristo. Era impossível até mesmo pensar em fazer essa concessão. É verdade que o apóstolo tinha se tornado “tudo para com todos”, a fim de salvar alguns (1Co.9:22), mas, ao fazê-lo, nunca transigiu em sua lealdade com a verdade. Ansiava acima de tudo salvar as pessoas e, para isso, teria prazer em sacrificar até mesmo a própria vida.

Gl.1:11 11. Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem,

Faço-vos [...] saber. Solenemente, Paulo anuncia o tema seguinte (Gl.1:11-2:21).

Não é segundo o homem. O ponto em questão é a autoridade de Paulo como apóstolo e, portanto, a validade de seu “evangelho”, da salvação pela fé e não pelas “obras da lei”. Ele dedica muito espaço a um relato detalhado de certos incidentes a partir do momento de sua conversão até o concílio de Jerusalém, quando os apóstolos reconheceram formalmente seu chamado ao ministério cristão. Isso era necessário por causa da alegação insistente dos mestres judaizantes de que, pelo fato de Paulo não ter sido um dos doze, seu evangelho não era apostólico e, por isso, falso. Assim, ele demonstra a origem divina do seu evangelho (v. Gl.1:12-24) e apresenta provas de que os apóstolos reconheciam a validade desse evangelho (GI.2:1-10).

Gl.1:12 12. porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo.

Revelação. Do gr. apokalupsis (ver com. de Ap.1:1).

De Jesus Cristo. Provavelmente, uma revelação da verdade concedida a ele por Jesus Cristo, e não apenas uma revelação a respeito de Cristo. Paulo foi instruído no evangelho “de [por] Jesus Cristo”, não “de [pelos] homens”. Isso inclui a visão no caminho de Damasco e as revelações posteriores, que parecem não ter sido muitas. Em 2Co.12:7, ele fala da “grandeza das revelações” que tinha recebido. Em Gl.1:17, reconhece que grande parte dessa instrução ocorreu durante os três anos que passou na Arábia. A solidão do deserto deve ter proporcionado um ambiente ideal para a revelação e contemplação. É evidente que essa instrução era completa, porque, numa visita posterior a Jerusalém, os líderes não puderam acrescentar nada a ela (Gl.2:6). Reconheceram a validade de sua vocação e do chamado para o ministério e lhe deram “a destra da aceitação”, em sinal de comunhão apostólica (Gl.2:7-9).

Gl.1:13 13. Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava.

Proceder. Literalmente, “conduta” (cf. Ef.4:22). O proceder de Paulo antes de sua conversão, quando perseguia a igreja devido a uma lealdade fanática ao judaísmo, demonstra que ele ainda não havia estruturado seu conceito do evangelho. Recorda aos gálatas que eles conheciam sua conduta. Esse conhecimento parece ter se difundido muito, pois, em sua defesa diante do rei Agripa, declarou que sua conduta desde sua juventude era bem conhecida por todos os judeus (At.26:4-5). Seu zelo anterior pelo judaísmo e seu sistema legal era diametralmente oposto ao seu presente fervor pela liberdade do evangelho (ver At.26:9-11). Essa alusão ao passado também pode ter tido o propósito de chamar a atenção para o fato de que a presente oposição ao judaísmo não era o resultado de ignorância da fé judaica, mas, de seu pleno conhecimento da mesma.

Sobremaneira. O empenho de Paulo em perseguir superava o de outros judeus. Era uma obsessão para ele, como se tornou, mais tarde, a pregação do evangelho. Ele não se sentia satisfeito em perturbar a igreja cristã: estava decidido a destruí-la completamente (ver At.8:3; At.22:19; At.26:10-11). Se Deus não interviesse, Paulo poderia ter destruído a igreja nascente.

Devastava. Do gr. portheo, “destruir”.

Gl.1:14 14. E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais.

Avantajava-me. Do gr. prokopto, “avançar”, “progredir”. Originalmente, este verbo era usado para se referir a um explorador que abria caminho no matagal. Antes da conversão, Paulo era considerado uma estrela de primeira grandeza em ascensão no judaísmo.

Da minha idade. Literalmente, “contemporâneos”. Paulo havia se destacado não só pela erudição teológica, como também pelo zelo na estrita observância dos regulamentos rituais da lei. Sem dúvida, ele se referia aos jovens de sua geração que estudavam em Jerusalém sob a direção de Gamaliel ou de outros eminentes mestres judeus. Sua promoção precoce ao Sinédrio (AA, 112) demonstra a alta estima que os mais idosos tinham por ele.

Das tradições. Ou seja, a lei oral, diferentemente da lei escrita (ver Mt.15:2; vol. 5, p. 83, 84). A lei oral evoluira gradualmente até o ponto de complementar a lei escrita de Moisés, e era considerada de mesma validade que a lei escrita de Deus, se não acima dela. Mas Jesus declarou que essas tradições tinham o efeito de invalidar e anular a lei de Deus (ver com. de Mc.7:13). Alguns comentaristas sugerem que Paulo pode ter pertencido a um setor extremista dos fariseus que se consideravam zelosos da lei. Diante do rei Agripa, testemunhou que tinha vivido de acordo com a seita mais estrita e rigorosa do judaísmo (At.26:4-5).

Gl.1:15 15. Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve

Deus, que [...] me separou (ARC). Evidências textuais (cf. p. xvi) sugerem a omissão do nome de Deus; “ao que me separou” (ARA). O sentido não muda, Deus o havia separado para o ministério evangélico. Desde o nascimento, a educação, a formação, a crença e a prática de Paulo tinham sido de acordo com as tradições do judaísmo (v. Gl.1:14). Nada em sua experiência passada o predispunha a rejeitar o sistema legal; pelo contrário, tudo tendia a levá-lo à direção oposta. Do ponto de vista humano, não havia nenhuma explicação satisfatória para sua mudança da crença na salvação pela lei para a crença na salvação pela fé. A mudança só pode ser atribuída à interferência direta de Deus.

Pela Sua graça. O propósito de Deus com Paulo, mesmo antes de seu nascimento, era o de enviá-lo como Seu representante aos gentios, o que naturalmente, dependia do consentimento do próprio Paulo; porém Deus previu que ele responderia ao chamado quando este chegasse. Paulo declara aqui que sua nomeação ao apostolado foi determinada por Deus, não pelo ser humano. Ele não tinha feito nada para merecer essa grande honra, portanto, a atribuiu a um ato de graça. Seus próprios planos para a vida tinham sido completamente diferentes. A experiência na estrada de Damasco foi uma grande surpresa para ele, porém ele reconhecia que fora um ato especial de Deus que o convidara a seguir o plano que Ele tinha para sua vida.

Gl.1:16 16. revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios, sem detença, não consultei carne e sangue,

Revelar Seu Filho. A conversão de Paulo ao cristianismo e sua missão de pregar o evangelho foram dois aspectos de seu primeiro encontro pessoal com o Cristo ressuscitado (ver At.26:12-19). A revelação ou manifestação de Cristo a ele pessoalmente no caminho para Damasco (1Co.15:8) o fez transferir sua lealdade do judaísmo para o cristianismo, e a experiência posterior de Cristo habitando nele (Gl.2:20) o levou à pregação bem-sucedida do evangelho entre os pagãos. Por meio de Paulo, o mundo deveria aprender muitas coisas sobre Jesus e sobre o plano de Deus para a humanidade mediante a vida e a morte do redentor. Paulo se tornou um instrumento eficaz para a pregação do evangelho porque dava um testemunho pessoal do poder do evangelho.

Entre os gentios. A comissão de Paulo entre os gentios tinha sido apresentada por Ananias, três dias depois da visão na estrada de Damasco (ver At.9:9; At.9:15-17). Ele não fora proibido de pregar aos judeus, mas sua principal responsabilidade era perante os não judeus. Ao entrar numa cidade, ele ia primeiramente à sinagoga e ali testemunhava a respeito de Jesus diante de seus compatriotas, e lá ele também encontrava os gentios tementes a Deus (ver At.13:14; At.13:43-48; At.14:1; At.17:1-4).

Não consultei. Outra evidência da origem divina de sua comissão era o fato de que ele não teve nenhum contato com os líderes em Jerusalém (v. Gl.1:17) por três anos, após sua conversão, e que não recebeu nenhuma instrução deles a respeito de como pregar sobre Jesus.

Gl.1:17 17. nem subi a Jerusalém para os que já eram apóstolos antes de mim, mas parti para as regiões da Arábia e voltei, outra vez, para Damasco.

Nem subi. A fim de receber a aprovação oficial da igreja, Paulo precisaria consultar os principais apóstolos, seus líderes reconhecidos, em Jerusalém. O fato de ele não ter feito isso era prova de que ele julgava ser desnecessário. Em certo sentido, ele havia “nascido fora do tempo” (1Co.15:8) e era apóstolo, embora não um dos doze.

Parti para as regiões da Arábia. Não se sabe para que parte da Arábia Paulo se retirou, nem por quanto tempo ele esteve lá. Não foi por mais de três anos. Alguns creem que Paulo se referia ao deserto nos arredores de Damasco, possivelmente, incluindo a própria cidade. Outros sugerem que o cenário de sua permanência pode ter sido o deserto perto do monte Sinai. No entanto, é duvidoso que Paulo tenha denominado essa região como “Arábia”. A sequência dos eventos entre a conversão de Paulo e sua visita seguinte a Jerusalém (v. Gl.1:18) deve ser preenchida pelos dados da narrativa de Lucas e por declarações incidentais em outras passagens de Paulo. Lucas não menciona a visita à Arábia; somente relata que Paulo pregou em Damasco após a conversão e, de lá, partiu para Jerusalém. Combinando as informações de todas as fontes, os eventos desse período de dois ou três anos sucederam da seguinte maneira: Depois de passar algum tempo pregando em Damasco, Paulo se retirou para a Arábia. Ouando voltou a Damasco, sua pregação foi mal recebida, pois foi feita urna tentativa de prendê-lo, sem duvida instigada pelos judeus. No entanto, ele conseguiu fugir “por uma janela da muralha abaixo” (2Co.11:33; ver p. 88, 89; mapa, p. 225; ver com. de At.9:24-25).

Gl.1:18 18. Decorridos três anos, então, subi a Jerusalém para avistar-me com Cefas e permaneci com ele quinze dias;

Decorridos três anos. Paulo apresenta aos gálatas um relato detalhado dos acontecimentos de sua experiência após a conversão, para que seus oponentes não tivessem motivos para dizer que ele havia visitado secretamente os apóstolos em Jerusalém, em algum momento durante esse período, e deles tivesse recebido instrução. Seu propósito era deixar claro quanto tempo havia passado depois da conversão até ir a Jerusalém. “Três anos” se passaram até que ele mesmo fosse a Pedro e, nesse ínterim, ele já pregava.

Para avistar-me. Ou, “para visitar”. Quando Paulo se dirigiu a Jerusalém, foi especificamente para ver Pedro, mas não para receber instruções dele, nem para assegurar sua permissão para pregar. O propósito de Paulo foi se familiarizar com Pedro e garantir sua amizade. Em Jerusalém, Barnabé encontrou Paulo e o apresentou a alguns dos apóstolos, informando-os de sua conversão e de sua ousadia em declarar publicamente que Jesus é o Filho de Deus (ver At.9:27).

Pedro (ARC). Evidências textuais favorecem (cf. p. xvi) a variante “Cefas” (ARA; ver com. de Mt.16:18).

Quinze dias. Durante essa breve estada na cidade, Paulo se ocupou em pregar e discutir com os judeus de língua grega, e apenas uma pequena parte desse tempo pode ter sido passada com os apóstolos (At.9:28-29). Logo, surgiu o ódio contra ele, e teve início um movimento que tramava matá-lo. Um dia, enquanto estava no templo, ele foi advertido em visão para deixar Jerusalém imediatamente (At.22:17-21). Sem dúvida, Paulo teria prolongado essa visita a Jerusalém, não fosse pela amarga oposição, a ameaça de morte e a advertência divina para sair. Seu propósito ao mencionar essa visita era provar que os principais apóstolos, já naquela época, tinham se familiarizado com ele, aceitado que sua conversão fora genuína e, infere-se, aprovado sua interpretação do evangelho (Gl.1:24). Como líderes responsáveis, Pedro e Tiago (v. Gl.1:18-19) não teriam deixado de se familiarizar com os ensinos de Paulo, ou de silenciá-lo, caso não tivessem aprovado o que ele estava ensinando. A menção específica de “quinze dias” confere um tom de veracidade ao relato e sugere a impossibilidade de que ele houvesse recebido instruções enquanto esteve lá.

Gl.1:19 19. e não vi outro dos apóstolos, senão Tiago, o irmão do Senhor.

Outro dos apóstolos. Além dos doze, havia outros que, num momento ou noutro, eram citados como apóstolos, mas que nunca foram considerados como pertencentes ao grupo escolhido e comissionado por Jesus (cf. Rm.16:7; 1Ts.2:6).

Tiago, o irmão do Senhor. Alguns identificam esse Tiago com o filho de Alfeu, explicando que “irmão” deve ser entendido no sentido geral de “primo”, ou algum outro parente próximo. Essa identificação se baseia na crença de que Paulo se referia a esse Tiago como a um apóstolo. A linguagem, no entanto, não exige essa conclusão, e a identificação é improvável (ver Mt.13:55; ver com. de Mc.3:18).

Gl.1:20 20. Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto.

Não minto. Paulo jura solenemente a veracidade do que considera uma parte muito importante de seu relato.

Gl.1:21 21. Depois, fui para as regiões da Síria e da Cilícia.

Síria e Cilícia. Paulo foi enviado para fora de Jerusalém por causa da conspiração contra sua vida (At.9:29-30), e pelo fato de o Senhor o haver avisado em visão para fugir da cidade (ver At.22:17-18). Nesse momento, Síria e Cilícia estavam unidas sob uma única administração provincial romana (ver mapa, p. 19). Tarso, cidade natal de Paulo, ficava na Cilícia. O registro do NT silencia acerca dos cinco anos seguintes ou mais (ver com. de At.9:30). Supostamente, Paulo se envolveu em um ministério ativo em Tarso e nas proximidades. Cerca de cinco anos mais tarde, Barnabé foi a Tarso e levou Paulo consigo para Antioquia, onde os dois ensinaram por um ano inteiro (At.11:25-26).

Gl.1:22 22. E não era conhecido de vista das igrejas da Judeia, que estavam em Cristo.

Não era conhecido de vista. Provavelmente, Paulo se tornou conhecido dos cristãos de Jerusalém durante os 15 dias que passou lá, pois Lucas diz que ele entrava e saía dentre eles em Jerusalém (At.9:26-28), mas não era conhecido das comunidades cristãs fora da cidade.

Gl.1:23 23. Ouviam somente dizer: Aquele que, antes, nos perseguia, agora, prega a fé que, outrora, procurava destruir.

Aquele que [...] nos perseguia. Paulo tinha sido sincero na perseguição à então odiada seita (ver At.26:9-10). Não satisfeito com desarraigar o cristianismo de Jerusalém e das cidades da Judeia, continuou com o seu propósito nas regiões fora da Palestina.

Prega a fé. Grande mudança sobreveio ao perseguidor. As notícias desse milagre da fé eram anunciadas em todos os lugares. Paulo destaca que os judeus da Palestina reconheciam a qualidade genuína de sua pregação e de seu ensino. É evidente que ninguém percebia diferença significativa entre o evangelho de Paulo e o que os apóstolos proclamavam.

Gl.1:24 24. E glorificavam a Deus a meu respeito.

A meu respeito. Ou seja, eles encontravam em Paulo, em sua conversão e no seu ministério, um motivo para louvar a Deus.

Gl.2:1 1. Catorze anos depois, subi outra vez a Jerusalém com Barnabé, levando também a Tito.

Catorze anos depois. A linha de pensamento de Paulo continua sem interrupção. Não está claro se esse período de 14 anos teve início com a conversão ou com sua visita a Jerusalém, três anos depois (ver p. 88; Nota Adicional a Atos 15; At.15:41). O propósito de mencionar os 14 anos é salientar o tempo que se passou desde a conversão até ter um contato prolongado com os doze. Ele não tomou emprestado deles o evangelho que pregou durante 14 ou 17 anos.

Outra vez a Jerusalém. Se o período de 3 anos e o de 14 são sucessivos, transcorreram 17 anos desde a conversão de Paulo até sua segunda visita a Jerusalém, e 14 anos desde o breve encontro de 15 dias com Pedro (Gl.1:18). Como já foi observado (v. 18, 19), houve pouca oportunidade para que Paulo aprendesse qualquer coisa dos apóstolos, por ocasião dessa primeira visita. Em Gálatas 2:1 a 10, ele deixa claro que não foi dos apóstolos que ele havia recebido a mensagem que pregava (ver com. dos v. Gl.2:6-7; para a relação da visita de Gl.2:1-10 com a de At.11:25-30, ver p. 330-332). Este Comentário opta pela identificação da visita de Gálatas 2:1 a 10 com a de Atos 15.

Com Barnabé. Quando o apóstolo Paulo foi enviado pela igreja de Antioquia para participar do concílio de Jerusalém, algumas outras pessoas o acompanharam, uma delas, Barnabé (ver At.15:2). Considerando-se que os relatos de Atos 15 e Gálatas 2 são paralelos, uma delas foi Tito. Lucas não faz menção de Tito em relação a qualquer das viagens de Paulo. A primeira referência paulina a ele está na segunda carta aos coríntios, na qual ele o considera um auxiliador muito valioso (ver com. de 2Co.2:13).

Gl.2:2 2. Subi em obediência a uma revelação; e lhes expus o evangelho que prego entre os gentios, mas em particular aos que pareciam de maior influência, para, de algum modo, não correr ou ter corrido em vão.

A uma revelação. Admitindo que esta seja a mesma visita de Atos 15, a declaração de Paulo de que Deus o orientou a visitar Jerusalém parece estar em conflito com a de Lucas, o qual informa que Paulo e Barnabé foram enviados a Jerusalém pela igreja de Antioquia. Paulo e a igreja de Antioquia foram dirigidos por Deus para fazer a visita a Jerusalém, à qual o apóstolo faz referência aqui. De igual maneira, o Espírito Santo e a igreja estavam unidos ao enviar Paulo e Barnabé na primeira viagem missionária (At.13:2-3; comparar Nm.13:1-2 com Dt.1:22). Por muitas vezes, Paulo foi o destinatário da iluminação celestial. Em vários momentos, ele foi dirigido, advertido ou incentivado por Deus (ver At.16:9; At.20:23; At.23:11; At.27:22-26).

Expus. Ou, “declarei”, “demonstrei”. As instruções que Paulo recebeu por revelação o orientaram a ir a Jerusalém e apresentar perante os líderes de lá o evangelho que pregava entre os gentios. Tendo em vista a dúvida na mente de alguns a respeito de suas qualificações como apóstolo e da natureza de seu evangelho, esse procedimento era muito apropriado. Os líderes de Jerusalém tinham o direito e o dever de saber tudo a respeito.

Em particular. Sabiamente, Paulo procurou evitar o despertamento da oposição contra a missão para a qual Deus o havia chamado, mas, ao mesmo tempo, procurou se aconselhar com os líderes reconhecidos da igreja.

De maior influência. Ou seja, aqueles que eram líderes, identificados no v. Gl.2:9 como Tiago, Pedro e João. Não há nenhuma razão para se duvidar de que Paulo tivesse reconhecido a posição desses principais apóstolos mais antigos, embora, mais tarde (v. Gl.2:6), ele reduzia ao mínimo o valor de qualquer instrução que tenha recebido deles.

Para, de algum modo. Paulo não sugere que houvesse qualquer dúvida em sua mente sobre a solidez de seu evangelho, mas sobre o sucesso de sua visita a Jerusalém. Ele temia que os irmãos de Jerusalém desaprovassem seu ministério entre os gentios. Essa seria uma grande vitória para seus adversários judaizantes e um sério obstáculo aos seus planos de evangelizar os gentios. Se os judaizantes fossem capazes de se opor a Paulo com cartas oficiais dos doze apóstolos, condenando-o e ao seu evangelho, ele teria sido colocado no papel de apóstolo do erro.

Gl.2:3 3. Contudo, nem mesmo Tito, que estava comigo, sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se.

Circuncidado. Os v. 3 a 5 são um parêntese na linha principal de argumentação. O incidente de Tito é a prova concreta de que os apóstolos entendiam e aprovavam o evangelho de Paulo. Pode haver outra razão igualmente importante na mente de Paulo para incluir esse incidente. Timóteo, um gálata meio judeu e meio gentio, havia sido circuncidado no início de seu ministério como concessão ao preconceito judaico (At.16:1-3; sobre o princípio envolvido, ver 1Co.9:21-23). A concessão foi um meio prático de facilitar a pregação do evangelho entre os judeus nas terras dos gentios. No caso de Tito, gentio de sangue, era diferente. Caso Paulo tivesse consentido em circuncidar Tito, ele teria negado seu evangelho e pareceria admitir que essas formas exteriores eram essenciais para a salvação. O propósito de Paulo em mencionar o que sucedeu com Tito era citar um exemplo de que os próprios apóstolos não exigiram que um gentio convertido fosse circuncidado. Obviamente, eles não cederam às exigências dos “falsos irmãos”, de Gálatas 2:4 e 5.

Os falsos mestres que desviavam os gálatas deviam enfrentar esses fatos, contra os quais seria difícil encontrar argumentos. O fato de os líderes de Jerusalém não terem pressionado Tito para que fosse circuncidado é uma forte evidência de seu entendimento do assunto. Esse caso revela tanto a coerência de Paulo como a disposição dos líderes de abandonar os preconceitos e reconhecer a verdade quando lhes foi apresentada. Esse espírito possibilitou que Deus trabalhasse mediante a igreja apostólica de uma forma maravilhosa. Ele espera o mesmo espírito de amor e tolerância na igreja atual. Deve haver a mesma disposição de aceitar uma nova luz quando é apresentada, para que a igreja alcance novos patamares de experiência espiritual e uma nova compreensão do plano de Deus para Sua igreja.

Gl.2:4 4. E isto por causa dos falsos irmãos que se entremeteram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus e reduzir-nos à escravidão;

Falsos irmãos. Esses judaizantes fanáticos eram provavelmente os cristãos fariseus de At.15:5. Seu propósito era influenciar os crentes judeus contra Paulo devido à indiferença do apóstolo diante das exigências da lei cerimonial.

Com o fim de espreitar. Sua aparente amizade tinha um motivo sinistro: ciúmes causados pela “liberdade” dos gentios convertidos.

Liberdade. Ou seja, a liberdade das exigências da lei ritual e do legalismo como meio de salvação (ver p. 1030, 1031).

Escravidão. Referência às exigências da lei ritual e do legalismo (ver Gl.4:3; Gl.4:9; Gl.4:24-25; Gl.4:31; Gl.5:1-2). Todos os que adotam o princípio do legalismo, de que a salvação pode ser conquistada pela conformidade com um código prescrito, obviamente se obrigam a cumprir todas as exigências desse código. Eles se tornam escravos da lei, obrigados a praticar “todas as coisas escritas no Livro da lei” (Gl.3:10). Se os judaizantes conseguissem o que queriam, a liberdade do evangelho seria trocada pela escravidão que resulta da dependência das obras.

Gl.2:5 5. aos quais nem ainda por uma hora nos submetemos, para que a verdade do evangelho permanecesse entre vós.

Aos quais. Ou seja, aos judaizantes e sua exigência de que Tito fosse circuncidado.

Nem ainda por uma hora. O problema que incomodava as igrejas da Galácia também havia se levantado em Jerusalém com relação a Tito. Porém, os apóstolos se recusaram a apoiar a exigência dos judaizantes de que Tito fosse circuncidado. Ao tentar obrigar os gálatas a se circuncidarem, foram os judaizantes, e não Paulo, que se opuseram à posição dos apóstolos.

A verdade. Caso tivessem cedido aos judaizantes, em Jerusalém, na Galácia ou em qualquer outro lugar, eles teriam negado o grande princípio da justificação pela fé. Essa não foi, em nenhum sentido, uma demonstração de teimosia da parte de Paulo; pelo contrário, foi uma posição determinada contra a tentativa de perverter o evangelho, substituindo sua verdade fundamental (a justificação pela fé) pela justificação pelas obras da lei.

Gl.2:6 6. E, quanto àqueles que pareciam ser de maior influência (quais tenham sido, outrora, não me interessa; Deus não aceita a aparência do homem), esses, digo, que me pareciam ser alguma coisa nada me acrescentaram;

Pareciam ser de maior influência. Provável referência aos apóstolos. Essas pessoas também são descritas no v. Gl.2:2 como “líderes da igreja” (NTLH). O v. Gl.2:6 continua a linha de pensamento interrompida nos v. Gl.2:3-5. Paulo não fala aqui de forma depreciativa a respeito desses homens “de maior influência”, como pode parecer à primeira vista, pois a forma como eles o aceitaram e aprovaram seu evangelho (Gl.1:24; Gl.2:9) constitui uma prova importante que confirma sua autoridade como apóstolo (ver v. Gl.2:9).

Quais tenham sido, outrora. O objetivo deste parêntese é lembrar aos gálatas que a questão não era a excelência dos apóstolos, mas a validade do evangelho de Paulo. A personalidade e até mesmo algum cargo elevado são de importância menor do que a verdade. Evidentemente, os doze haviam tido grandes privilégios: haviam se ligado pessoalmente a Jesus por três anos; ouviram-No pregar e testemunharam Seus milagres. Paulo não diminui a importância dos apóstolos, mas se esforçou para esclarecer que sua posição e ofício não podiam ter qualquer influência sobre o problema em questão. Deus não consultou o ser humano com relação ao que é a verdade, mas lhe confere a missão de declarar a verdade. Paulo foi chamado para esse importante dever, assim como os doze haviam sido, antes dele.

Aparência. Literalmente, “rosto”, isto é, a aparência exterior, em contraste com o caráter interior (ver com. de 1Sm.16:7). Se este é o método divino de avaliação, por que um cargo ou posto deveria ser mais considerado do que o caráter? A verdade é de suma importância, enquanto a posição ou o cargo das pessoas que a proclamam pouco ou nada importam. No entanto, Paulo sempre apoiou lealmente aqueles que tinham sido nomeados para cargos de responsabilidade na igreja. Estimava muito aqueles que, como ele, tinham sido comissionados por Deus para pregar o evangelho. Considerava seu próprio chamado uma grande honra e acreditava que tinha o dever de exercer essa autoridade quando a ocasião o exigisse (ver Rm.11:13; 2Co.13:2; comparar com At.10:34).

Nada me acrescentaram. O evangelho de Paulo tinha a mesma origem que o dos apóstolos; era completo. Qualquer acréscimo ou subtração perverteria sua perfeição. A força de seu argumento é que, embora Paulo não tivesse consultado os doze, nem tivesse sido instruído por eles, seu evangelho, no entanto, era o mesmo que o deles. Quando os apóstolos estudaram a exigência dos judaizantes, que obrigava Tito e todos os gentios convertidos ao cristianismo a se submeterem à circuncisão, permaneceram em completo acordo com Paulo. Não propuseram que alterasse nem modificasse sua posição.

Gl.2:7 7. antes, pelo contrário, quando viram que o evangelho da incircuncisão me fora confiado, como a Pedro o da circuncisão

Evangelho da incircuncisão. Não existem dois evangelhos diferentes, um para os circuncidados e outro para os não circuncidados. Como Paulo apresenta nos cap. 3 e 4, tanto judeus como gentios são salvos pela fé e não pelas obras da lei (ver Gl.3:28). A mensagem para ambos os grupos era a mesma. Somente diferia a condição anterior daqueles a quem foi dada.

A Pedro. Havia duas classes de ouvintes a quem pregar: judeus e gentios, mas um só evangelho. Paulo foi enviado como embaixador a uma, e Pedro, a outra (v. Gl.2:7-9).

Gl.2:8 8. (pois aquele que operou eficazmente em Pedro para o apostolado da circuncisão também operou eficazmente em mim para com os gentios)

Operou eficazmente em Pedro. Literalmente, “trabalhou em”, isto é, animou. A palavra “eficazmente” foi acrescentada pelos tradutores. O êxito do ministério de Pedro era uma prova de que Deus operava por meio dele. Porém, o mesmo acontecia com o ministério de Paulo. Seria incoerente aclamar um e diminuir o outro. Tanto Paulo como Pedro tinham a mesma fonte da autoridade e poder. Se um era apóstolo, o outro, também.

Gl.2:9 9. e, quando conheceram a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram reputados colunas, me estenderam, a mim e a Barnabé, a destra de comunhão, a fim de que nós fôssemos para os gentios, e eles, para a circuncisão;

Tiago. Este não é o irmão de João, que havia sido morto antes da primeira viagem missionária de Paulo (At.12:1-2); mas, sem dúvida, “Tiago, o irmão do Senhor”, já apresentado em Gl.1:19. O fato de ele ser mencionado antes sugere que, na época, era o líder entre os apóstolos de Jerusalém. No relato de Lucas sobre o concílio de Jerusalém (At.15), Tiago ocupa o primeiro lugar entre os dirigentes da igreja (v. At.15:13; At.15:19-22). O fato de Tiago, líder reconhecido da igreja, não ter sido um dos doze reduz a acusação dos judaizantes de que Paulo não podia ser considerado um verdadeiro apóstolo. Alguns manuscritos e versões antigos dizem “Pedro e Tiago”, com o claro propósito de fazer Pedro parecer ser o primeiro entre os apóstolos.

Cefas. Ver com. de Mt.16:18; Mc.3:16.

João. Ver com. de Mc.3:17.

Eram reputados. Ou seja, eram geralmente considerados. Paulo pode ter evitado propositalmente afirmar que esses três eram líderes. O sucesso ou fracasso do evangelho não depende de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. Ninguém é indispensável para o êxito do evangelho.

Colunas. Ou seja, os líderes da igreja. Se Tiago, que não era dos doze, era tido em tão alta estima a ponto de ser considerado como uma “coluna” da igreja, junto a Pedro e João, por que Paulo também não seria?

A destra. Os principais apóstolos entraram em um acordo formal, amigável com Paulo, em que reconheciam seu apostolado e aprovavam seu evangelho. O ato de estender a mão direita era uma prática familiar em outras nações, bem como entre os judeus. Esse ato significava muito mais do que reconhecer de maneira relutante que Deus havia chamado e abençoado Paulo e Barnabé, não era uma concessão relutante a seus pontos de vista. Por esse gesto de lhes estender a destra, os apóstolos os reconheciam como iguais a eles no ministério cristão. Além disso, seu evangelho foi reconhecido como puro e digno de ser pregado.

Comunhão. Do gr. koinonia “participação”, “partilha”, “associação”.

Para os gentios. Os apóstolos não tiveram ciúmes do êxito relatado por Paulo e Barnabé, mas se alegraram com ele. Consentiram que Paulo continuasse seu trabalho entre os gentios. Esse é um bom exemplo da possibilidade de se chegar a uma solução harmoniosa para problemas difíceis na igreja, sem que haja contenda nem ásperas disputas. Se os cristãos tivessem sido tão honestos e nobres de espírito como os líderes dos tempos apostólicos, nunca teriam ocorrido muitos conflitos que desgraçaram a igreja em séculos posteriores.

Gl.2:10 10. recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também me esforcei por fazer.

Lembrássemos dos pobres. Essa recomendação se referia aos cristãos pobres da Judeia. Duas razões são evidentes para este pedido. A primeira, pela necessidade. A segunda, era o desejo de evitar a desunião entre os novos conversos gentios e os cristãos de origem judaica. O fato de Paulo ter sido aceito pelos líderes da igreja como apóstolo dos gentios não alterava sua atitude para com seus compatriotas judeus.

Também me esforcei por fazer. Paulo atendeu fielmente esse pedido, fazendo apelos às igrejas dos gentios da Macedônia e da Grécia por contribuições liberais (cf. Rm.15:25-27; 1Co.16:3; 2Co.8).

Gl.2:11 11. Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe face a face, porque se tornara repreensível.

Cefas veio. Embora a conduta de Pedro (v. Gl.2:11-14) pareça estranha para nós, depois de sua experiência com Cornélio (At.10:19-11:18) e, especialmente, depois da decisão do concílio de Jerusalém (At.15:7; At.15:22; At.15:29), é evidente que Paulo narra o caso em sua devida ordem cronológica. Deve ser lembrado que a decisão do concílio de Jerusalém afetava unicamente os crentes gentios. Ele não liberou os cristãos judeus dos requisitos da lei ritual. Tendo perdido seu caso em relação aos gentios convertidos, os judaizantes se recusaram a enxergar na decisão qualquer coisa além do que estava declarado. Porém, Paulo e outros argumentaram corretamente que, se os gentios poderiam ser salvos sem a lei ritual, os judeus poderiam ser salvos do mesmo modo. Quando esteve em Jerusalém, Paulo não teve nenhuma objeção séria quanto a ele próprio participar das cerimônias rituais (cf. At.21:20-27), como um judeu. Como por exemplo, no ato de comer alimentos oferecidos aos ídolos (1Co.10:27-29), não havia nenhum princípio moral envolvido (1Co.8:8).

A preocupação de Paulo nessa ocasião era pelos membros da igreja (cf. 1Co.10:29-33), e a igreja de Antioquia era composta em grande parte de gentios (At.11:19-21). Portanto, Pedro deveria ter permanecido firme na posição que havia adotado no princípio: participar com os crentes gentios em um completo companheirismo na base da reciprocidade. Essa visita de Pedro a Antioquia foi feita logo após o encerramento do concílio de Jerusalém. O debate que ocorreu em Antioquia acerca da circuncisão havia causado a imediata convocação do concílio (At.15:1-2). Após a questão ter sido resolvida de forma satisfatória para todos os envolvidos, seria natural que pelo menos alguns dos líderes visitassem Antioquia. A partir do registro da participação de Pedro no concílio (ver At.15:6-11), especialmente pelo que sucedeu na casa de Cornélio, seria de se esperar que ele fizesse o possível em Antioquia para reconciliar as diferenças de opinião e para se certificar de que as decisões do concílio fossem cumpridas.

Resisti-lhe. Esta experiência mostra a igualdade de Paulo como apóstolo e justifica seu argumento de não exigir que os gentios fossem submetidos às práticas legalistas judaicas (v. Gl.2:14). Paulo, Barnabé e outros dois foram escolhidos para levar a decisão do concílio a Antioquia (ver At.15:22-23). Pelo fato de Pedro ter sido favorável à decisão e, sem dúvida, ter concordado com ela, dificilmente se poderia dizer que havia uma controvérsia entre ele e Paulo. Eles estavam de acordo, pelo menos, sobre os princípios gerais e, portanto, com a decisão tomada no concílio com relação à situação dos gentios dentro da igreja cristã. Essa decisão clara e inequívoca foi a base da repreensão de Paulo a Pedro, e a sua justificativa. É possível que os líderes da igreja tenham tido oportunidade de discutir várias opiniões sem que se produzissem ressentimentos. É razoável supor que o silêncio de Pedro refletisse sua admissão de ter cometido um equívoco de julgamento. Ele agiu com nobreza. A unidade de esforços é necessária para o sucesso em qualquer empreendimento. A igreja nunca poderá cumprir sua missão até que haja a mesma retidão e integridade que se manifestaram entre os líderes apostólicos.

Porque se tornara repreensível. Alguns escritores da igreja apostólica insistiram que o Pedro aqui mencionado não era o apóstolo, mas um dos setenta. Outros afirmaram que os dois apóstolos tinham orquestrado a cena de antemão como lição para os judaizantes, que deviam estar tão dispostos a se submeter assim como Pedro se submetia aos argumentos de Paulo. Essas e outras tentativas para eliminar com explicações os fatos evidentes, se devem à crença preconcebida na supremacia de Pedro e a não querer admitir que ele poderia ter cometido um erro, e menos ainda, que poderia ter sido repreendido publicamente por outro apóstolo. Pedro compreendeu seu próprio erro e não fez nenhuma tentativa de se justificar nem de se escusar. Essa reação concorda com o que se esperaria de Pedro depois de sua grande confissão (ver Jo.21:15-17). Ela o distingue como um homem de nobre estatura espiritual.

Gl.2:12 12. Com efeito, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, comia com os gentios; quando, porém, chegaram, afastou-se e, por fim, veio a apartar-se, temendo os da circuncisão.

De Tiago. O máximo que se pode deduzir sobre esses cristãos que chegaram “da parte de Tiago” é que eles eram membros da igreja de Jerusalém, presidida por Tiago. Como não se diz que ele os enviou, não se pode afirmar que chegaram com uma autorização oficial de Tiago. Representavam os partidários da circuncisão e, provavelmente, eram cristãos fariseus (ver At.15:5). Eles podem ter chegado a Antioquia sem a aprovação de Tiago. Certamente, eles não tinham sua autorização para provocar problemas, pois, em seu discurso no concílio, ele tinha dado provas de seu sincero desejo de harmonia entre os cristãos em todos os lugares (At.15:13-21).

Com os gentios. Antes da visão que teve e do que lhe sucedeu na casa de Cornélio (At.10:9-48), Pedro não havia se associado aos gentios como fazia em Antioquia. Sua precaução de levar consigo seis testemunhas reflete o temor de que os irmãos em Jerusalém hesitassem em aceitar seu testemunho, se ele tivesse ido sozinho (At.11:12). Porém, depois da extraordinária demonstração da aprovação de Deus, manifestada mediante o dom do Espírito antes do batismo dos gentios, Pedro estava convencido da legitimidade da aceitação dos gentios pela igreja cristã. Essa confiança foi confirmada pela atitude do concílio de Jerusalém, alguns anos mais tarde (At.15). Não havia mais espaço para dúvidas quanto a esse assunto. Portanto, quando Pedro foi a Antioquia, ele se sentiu livre para se unir a seus irmãos em comunhão com os cristãos gentios. Afastou-se e, por fim, veio a apartar-se. Segundo parece, Pedro interrompeu discretamente sua associação com os gentios, sem qualquer explicação. Provavelmente, essa separação significava somente uma ruptura nas relações sociais.

Temendo. Pedro, para evitar dificuldades, procurou não ter mais conflitos com os irmãos judaizantes irracionais de Jerusalém. Era o mesmo grupo que havia criado problemas em Antioquia antes do concílio, ao insistir sobre a circuncisão de todos os gentios que procuravam admissão à igreja cristã (ver At.15:5). Alguns representantes dessa tendência haviam subvertido também a lealdade de muitos na igreja de Corinto (ver com. de 2Co.11:22). O temor de Pedro pode ter sido, pelo menos em parte, fruto do mesmo espírito de cautela que o motivou a levar consigo outros seis judeus quando foi à casa de Cornélio (At.11:12). Afinal, o concílio de Jerusalém não havia decidido que os judeus podiam se associar livremente com os gentios (ver com. de Gl.2:11) e, talvez, Pedro tenha temido que esses irmãos judaizantes interpretassem seu proceder de tal maneira que fosse difícil explicar quando retornassem a Jerusalém.

Gl.2:13 13. E também os demais judeus dissimularam com ele, a ponto de o próprio Barnabé ter-se deixado levar pela dissimulação deles.

Dissimularam. Literalmente, “agiram sob máscara com [Pedro]”, isto é, procederam como hipócritas. Pedro e esses “outros judeus” sabiam que não estavam agindo corretamente, mas cederam a fim de evitar dificuldades com os judaizantes. Procederam dessa maneira com o propósito de ocultar seus verdadeiros sentimentos daqueles que tinham vindo de Jerusalém. Queriam dar a impressão de apoiar os irmãos judaizantes. Se a acusação paulina de falsidade fosse verdadeira, e não há nenhuma razão para se duvidar disso, Pedro fez bem em permanecer em silêncio, como parece ter feito. Nada podia ser dito em defesa de sua conduta, nem há justificativa para ela.

O próprio Barnabé. Paulo deve ter sofrido muito, quando seu amigo íntimo e colaborador sucumbiu ante a pressão da opinião popular. Até mesmo os fortes líderes cristãos estão em perigo de ceder em suas convicções quando são submetidos a forte pressão.

Dissimulação. Literalmente, “hipocrisia”, “falta de sinceridade”.

Gl.2:14 14. Quando, porém, vi que não procediam corretamente segundo a verdade do evangelho, disse a Cefas, na presença de todos: se, sendo tu judeu, vives como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?

Não procediam corretamente. O modo de agir de Pedro, Barnabé e de outros judeus causava confusão e divisão na igreja. A questão envolvia muito mais do que a conduta dos líderes: estava em perigo o bem-estar dos cristãos gentios, e até mesmo o destino do próprio evangelho. Se a causa dos judaizantes fosse reconhecida como legítima, a salvação pela fé na morte expiatória de Jesus seria suplantada pela doutrina da salvação pelas obras da lei. Assim, “a verdade do evangelho” já não seria proclamada.

Na presença de todos. A repreensão foi pública porque a ofensa foi pública. Todos, ou quase todos, estavam envolvidos. Posteriormente, Paulo escreveu a Timóteo, afirmando que uma repreensão pública para o pecado manifesto é eficaz para desencorajar outros de seguir o mesmo caminho (ver Tm.5:20). A conduta de Pedro e dos outros judeus criava uma divisão na comunhão da igreja e ameaçava quebrar a unidade em Cristo entre gentios e judeus. A perspectiva era desastrosa. Paulo dirigiu suas observações a Pedro porque a conduta deste era a principal responsável pela crise que se produziu naquela ocasião.

Como gentio. Foi necessário um milagre para convencer Pedro de que os gentios deveriam ser admitidos à comunhão cristã em igualdade de condições com os judeus (ver At.10:20; At.10:28-29; At.10:34). A partir daquela experiência, ele se sentiu livre para interagir com os gentios, ao contrário do costume judaico. Seu silêncio quando foi repreendido denota que ele reconheceu o erro de sua atitude impensada e a gravidade das implicações para o futuro da igreja como um corpo universal, isso pode ser atribuído em favor de Pedro.

Por que obrigas [...]? A mudança repentina de atitude de Pedro requeria que os gentios cumprissem as exigências dos judaizantes de que fossem circuncidados e observassem os ritos judaicos, a fim de que as relações de amizade entre eles e os cristãos judeus pudessem continuar. Isso praticamente obrigaria os gentios a viver como judeus. Paulo destaca a incoerência resultante dessa atitude dos judeus cristãos para com os gentios na igreja.

Gl.2:15 15. Nós, judeus por natureza e não pecadores dentre os gentios,

Judeus por natureza. Ou seja, descendentes literais de Abraão. Não está claro se os v. 15 a 21 fazem parte da censura pública de Paulo a Pedro em Antioquia ou se Paulo se dirige outra vez às igrejas da Galácia. É razoável supor que a ausência de qualquer transição óbvia indica que Paulo repete em essência o que disse a Pedro, e se dirige aos cristãos da Galácia. Os v. 15 e 16 parecem ser dirigidos aos cristãos de origem judaica, porém não há certeza se eram os de Antioquia ou da Galácia. O fato de o v. Gl.2:14 falar dos cristãos de origem judaica, de Antioquia, pode indicar que Paulo ainda estivesse citando o que disse a eles.

Pecadores dentre os gentios. Ou, “gentios pecadores”, provavelmente um termo comum entre os judeus, que refletia certo desprezo pelos gentios não regenerados, como se fossem uma casta inferior, sem a lei. Paulo admitia que havia certas vantagens em ser judeu (cf. Rm.3:1-2; Rm.9:4-5), mas, no tocante a sua posição diante de Deus, todos eram pecadores e necessitavam de salvação (ver Gl.3:9). De certa forma, os gentios estavam em desvantagem, pois não tinham desfrutado todos os benefícios concedidos aos judeus. Apesar disso, os gentios eram indesculpáveis (ver Rm.1:20).

Gl.2:16 16. sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado.

Justificado. Ou, “considerado justo” (ver com. de Rm.3:20; Rm.3:28; Rm.4:8; Rm.4:25).

Obras da lei. Literalmente, “obras de lei” (ver com. de Rm.2:12). Paulo não se refere tanto à observância ritual da lei cerimonial, como ao conceito judaico de que alguém poderia se salvar, observando meticulosamente (ver com. de 2Co.3:3-9) “a lei”, que consistia em preceitos morais, cerimoniais e civis (ver p. 1030-1032). Em sua epístola aos Gálatas, Paulo se ocupa unicamente com os códigos moral e cerimonial. O código civil não entra diretamente no problema em discussão. Os judeus erravam em: (1) considerar que a salvação poderia ser alcançada por seus próprios esforços, pela conformidade com os requisitos da “lei”, e em virtude de uma vida meritória em que um excedente de boas obras cancelaria as maldades; (2) acrescentar à lei, como foi dada por Deus, uma quantidade de exigências feitas pelo homem, comumente chamadas de “tradição” (ver vol. 5, p. 83, 84; ver com. de Mc.7:3); e (3) estender e tentar impor, certas características das disposições rituais e cerimoniais da “lei” além da cruz, quando estas necessariamente haviam expirado. Paulo, sem dúvida, tinha tudo isso em mente quando escreveu. Como já foi dito, a palavra “lei”, como usada por Paulo na epístola aos Gálatas, inclui tanto a lei moral, ou decálogo, como a lei cerimonial (ver Ellen G. White, Material Suplementar sobre Gl.3:24). Porém, Paulo não se preocupava tanto com qualquer uma delas, como tal, como estava preocupado com o sistema legal judaico de justiça pelas obras, baseado nessas premissas.

A fé em Jesus Cristo. Ver com. de Jo.1:12; Jo.3:16; Rm.4:3; Rm.5:1. A justificação se recebe como um dom gratuito de Deus em Jesus Cristo (ver com. de Jo.3:16). As obras não têm parte nessa transação. Da parte de Deus, é um dom possível por meio de Jesus Cristo. Para que o ser humano o receba, deve exercer completa fé e confiança em Deus de que Ele é capaz de justificar um pecador e está disposto a fazê-lo. A fé é o meio pelo qual o homem recebe a justificação.

Temos crido. Isso era verdade no caso de Pedro e no de Paulo; Pedro já sabia que a observância da lei não pode justificar o ser humano. Por essa razão, ambos se voltavam para Cristo em busca da salvação do pecado. Paulo sugere que essa profissão de fé era um reconhecimento de que suas observâncias anteriores eram em si mesmas inúteis e vazias.

Ninguém. Ou seja, nenhuma pessoa, ou nenhum ser humano (ver com. de Rm.3:20).

Gl.2:17 17. Mas se, procurando ser justificados em Cristo, fomos nós mesmos também achados pecadores, dar-se-á o caso de ser Cristo ministro do pecado? Certo que não!

Procurando ser justificados. Declaradamente, pelo menos, os judeus cristãos reconheciam a necessidade de ir a Cristo para obter a salvação, admitindo a inadequação das “obras da lei” (v. Gl.2:16).

Fomos [...] achados pecadores. Isto é, além dos pecadores gentios do v. Gl.2:15. O texto original diz, literalmente: “fomos achados pecadores”, o que indica um determinado momento no passado, depois de se haverem tornado cristãos. Cristo havia prometido justificação aos que fossem a Deus por intermédio dEle (v. Gl.2:16). Mas se aqueles que o faziam ainda eram “pecadores”, a provisão de graça feita por Cristo era insuficiente. Se Ele, depois de ter feito uma promessa, não fosse capaz de cumpri-la, seria, portanto, responsabilizado pela continuidade do pecado.

Nós mesmos. Isto é, “nós, por natureza judeus” (v. Gl.2:15), ou seja, os cristãos de origem judaica, que procuravam ser “justificados em Cristo”.

Ministro do pecado. Ou, “agente do pecado”, isto é, por meio de quem nos tornamos pecadores e, assim, o único culpado por sermos pecadores. Isso sucederia se as exigências dos cristãos judaizantes fossem seguidas, pois, embora se denominassem cristãos, defendiam a necessidade do estrito cumprimento da lei cerimonial, a fim de serem livres do pecado. Se assim fosse, para que ser cristãos, afinal? Desse modo, os cristãos voltariam a ser o que eram antes: pecadores condenados pela lei. Paulo conclui que, se Cristo exigisse isso deles, então havia Se tornado agente ou cúmplice do pecado.

Certo que não! No entanto, essa era a conclusão lógica, embora absurda, à qual a posição dos judaizantes conduzia. A ideia é absurda e está fora de sintonia com a verdadeira noção do que Cristo fez para salvar a humanidade do abismo a que seus pecados a conduziram. A tentativa de substituir a fé pelas obras confunde e distorce a verdade singela do evangelho de que a salvação é somente pela fé.

Gl.2:18 18. Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, a mim mesmo me constituo transgressor.

Porque, se torno a edificar. Paulo acusa a incoerência de se voltar “ao sistema legal judaico na tentativa de encontrar justificação depois de, como cristão de origem judaica, ter reconhecido a absoluta ineficácia da lei como meio de salvação e ter-me voltado para Cristo para obter justificação”.

Aquilo que destruí. Ou seja, as observâncias rituais do judaísmo como meio de salvação. Para um judeu, a aceitação de Cristo foi uma admissão de que, por si só, o judaísmo não podia salvar ninguém. Embora Paulo tenha escrito na primeira pessoa, é evidente que ele pensava em todos os judeus convertidos ao cristianismo.

Transgressor. Para um judeu convertido, voltar às práticas do judaísmo como meio de salvação, seria admitir a ineficácia de Cristo para salvar a humanidade somente pela fé. Além disso, seria uma admissão de ter agido erroneamente ao abandonar o judaísmo, em primeiro lugar e, ao fazê-lo, ele próprio se teria constituído um “transgressor” da lei ritual. Era isso mesmo que Pedro havia feito (v. Gl.2:11-14), e o que faziam todos os judaizantes.

Gl.2:19 19. Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo;

Porque eu. A sintaxe do texto grego destaca o pronome “eu”. No v. Gl.2:18, Paulo fala como se ele fosse um dos judaizantes, porém, aqui, ele se refere a sua experiência pessoal (v. 19-21).

Mediante a própria lei. Paulo tinha comprovado por experiência pessoal, ao buscar a salvação em conformidade com os requisitos do sistema legal, a ineficácia dessas cerimônias. Além disso, ele compreendia que a lei apresentava Cristo ao pecador.

Morrí para a lei. Ou seja, “não tenho mais relação com ela”. Anteriormente, Paulo esperava ser justificado pelo cumprimento cuidadoso de todos os requisitos da lei. Esse tinha sido o objetivo de sua vida. Quando o verdadeiro propósito da lei se tornou claro para ele, percebeu que não poderia esperar ajuda alguma dessa fonte. Portanto, abandonou o sistema legal como meio de salvação.

Viver para Deus. A partir desse momento, a vida de Paulo se orientava para Deus, assim como antes tinha sido para com a lei. Seu propósito de vida era se apropriar do meio de salvação que Deus lhe provera graciosamente (ver Fp.3:13).

Estou crucificado com Cristo. Ou seja, Paulo tinha aceitado a expiação provida pela morte de Cristo na cruz (cf. Rm.6:3-11; Fp.3:8-10). Ele se considerava morto para o pecado, para o mundo e para os métodos de justificação concebidos pela humanidade, como se tivesse realmente sido crucificado. Esses métodos não lhe apelavam mais e, em seu coração, não havia resposta para eles.

Gl.2:20 20. logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim.

Logo, já não sou eu quem vive. A expressão grega traduzida como “vivo, não mais eu” (ARC), também pode ser traduzida como: “já não sou eu quem vive” (ARA). As duas versões são adequadas ao contexto e, de qualquer forma, o sentido da declaração como um todo se mantém inalterado. Apesar de morto para algumas coisas, Paulo estava vivo para outras. Sua atividade depois da conversão era tão intensa como fora antes, pois a vida de um cristão não é de inatividade. Jesus falou dessa nova vida como uma vida mais abundante (Jo.10:10). Jesus é a fonte da vida, portanto, não se pode apreciar verdadeiramente a vida sem Ele.

Cristo vive em mim. Este é o segredo de uma vida cristã bem-sucedida: Cristo vivendo em nós, à vista de todos, a mesma vida perfeita que Ele viveu aqui na Terra. O amor de Cristo nos constrange (2Co.5:14), e a justiça de Cristo se torna uma realidade em nossa vida (Rm.8:3-4).

Tenho na carne. Ou seja, a presente vida. O cristão ainda está no mundo, embora não pertença a ele (Jo.17:11; Jo.17:14).

Pela fé no Filho de Deus. Evidências textuais (cf. p. xvi) favorecem a variante “fé em Deus e em Cristo”.

Gl.2:21 21. Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão.

Anulo. Ou, “frustro”, “cancelo”, “torno sem efeito”. Voltar ao sistema legal de justiça pelas obras anularia tudo o que foi recebido mediante a graça de Deus, pela fé em Jesus Cristo. Paulo se recusa, até mesmo por um momento, a abrir mão às demandas daqueles que, como Pedro e os judaizantes, insistem no retorno às obras da lei como base para a justificação. Isso deve ser considerado como uma reprovação à atitude de Pedro (ver com. do v. Gl.2:15). A conclusão evidente de Paulo é que todos os que, como Pedro, se separam dos cristãos gentios, estão frustrando a graça de Deus.

Se a justiça é. Se a graça não é necessária, o evangelho não tem valor nem atração. Ao discutir a justiça que Abraão recebeu pela fé, Paulo argumenta que a recompensa de quem trabalha não é um favor nem um presente, pois lhe pertence, como resultado de seus próprios esforços (cf. Rm.4:4-5). No entanto, se, pelas obras da lei, pudessem ser obtidos todos os benefícios que vêm por meio do evangelho, o plano para a redenção da humanidade por meio de Jesus Cristo se tornaria desnecessário. A lógica dessa conclusão deve ter ficado evidente a Pedro e a todos os que seguiram seu exemplo.

Gl.3:1 1. Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado?

Ó gálatas insensatos! Os gálatas haviam demonstrado sua falta de entendimento ao ceder à influência dos falsos mestres. Não havia nenhuma razão válida para a decisão de renunciar à salvação pela fé.

Quem vos fascinou [...]? Eles haviam sido enganados. Paulo lhes escreve na esperança de que eles vissem a incoerência e se afastassem do erro evidente em que tinham caído. Eles deviam ter sido submetidos a alguma influência além da razão, pois a razão condenaria esse procedimento. Sua escolha não pode ter resultado do julgamento sóbrio baseado em fatos.

Exposto. Do gr. prographo, “retratar abertamente”. Esta palavra se usava com frequência nos dias de Paulo em editais ou proclamações. Os gálatas não poderiam professar ignorância das verdades do evangelho, pois Paulo as havia apresentado tão claramente que era como se tivessem visto Jesus com seus próprios olhos.

Crucificado. Não crucificado entre eles, mas representado entre eles como aquele que foi crucificado. Paulo se gloriava na cruz de Cristo e fazia dela o centro de sua pregação (ver 1Co.1:23; 1Co.2:1-2; 1Co.15:3). Os gálatas tinham entendido o significado da morte de Cristo. Isso lhes tinha sido apresentado de maneira tão real que era como se tivessem contemplado com os próprios olhos. Haviam aceitado esse sacrifício como necessário para sua justificação. Como podiam então aceitar essas falsas doutrinas, como se tudo o que Paulo lhes havia ensinado fosse pura fantasia?

Gl.3:2 2. Quero apenas saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?

Apenas. Um argumento seria suficiente para resolver a questão. No argumento que se segue (v. Gl.3:6-29), Paulo explora e desenvolve a pergunta proposta nos v. 1 a 5. Se os gálatas respondessem à pergunta que ele lhes faria, à luz da discussão a seguir, seria suficiente para convencê-los de seu erro.

Recebestes o Espírito. Ou seja, o Espírito Santo, prometido por Jesus antes de Seu retorno ao Pai (Jo.14:16-17). O Espírito haveria de convencer do pecado, dirigir as pessoas a Cristo e orientá-las sobre a verdade (ver Jo.16:7-13). Os crentes da Galácia tinham experimentado a orientação do Espírito Santo em sua vida e testemunhado a manifestação dos dons do Espírito (cf. 1Co.12; Ef.4:10-13). Tudo isso aconteceu desde que eles aceitaram o evangelho de Cristo, conforme Paulo ensinou. Não poderia haver incerteza quanto à origem dessas bênçãos espirituais.

Obras da lei. Ver com. de Rm.3:20; GI.2:16.

Pregação da fé. Ou seja, a fé que resulta de ouvir o evangelho (Rm.10:17), ou da pregação acompanhada da fé. Mediante a fé, os gálatas haviam aceitado a salvação oferecida por Jesus e tinham experimentado as bênçãos decorrentes do Espírito. Assim como Cornélio (At.10:44), criam ter ouvido e recebido o “penhor do Espírito” como prova de que Deus havia aceitado sua fé (ver com. de 2Co.1:22). Haviam aceitado as instruções de Paulo relativas à justificação pela fé e as tinham posto em prática em sua vida.

Gl.3:3 3. Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?

Sois assim insensatos. [...]? Ver com. do v. Gl.3:1.

Tendo começado no Espírito. Ver com. do v. Gl.3:2. A vida cristã é uma experiência espiritual, que começa quando o Espírito convence o coração do pecado e continua com a condução divina na vida pelas sendas da justiça (Jo.16:8). Os gálatas já tinham recebido as ricas bênçãos de Deus e muitas provas de Sua presença entre eles, porém isso era apenas o começo. Certamente era estranho que eles virassem as costas a Deus quando Ele havia apenas começado a executar Seu plano para eles. Que ricas bênçãos eles perderiam se abandonassem o plano de Deus e partissem por um caminho de concepção humana!

Na carne. Ou seja, pelos conceitos materialistas e práticas legalistas do judaísmo.

Gl.3:4 4. Terá sido em vão que tantas coisas sofrestes? Se, na verdade, foram em vão.

Em vão. Se sua vida anterior, guiada pelo Espírito, tinha sido um erro, então todo o sofrimento que haviam suportado como resultado disso teria sido em vão. Como acreditavam na expiação provida por Jesus, haviam sofrido perseguição. Paulo esperava sinceramente que esse sofrimento não tivesse sido em vão e que os gálatas reconhecessem seu erro e voltassem a sua lealdade anterior.

Sofrestes. Ou, “suportastes”. Os gálatas, como outros cristãos, sem dúvida haviam sofrido por aceitar o cristianismo, embora seus padecimentos não estejam registrados no livro de Atos. Os tessalonicenses sofreram perseguição (cf. 1Ts.2:14). Em Gl.4:29, Paulo se refere indiretamente ao sofrimento que os cristãos suportavam por causa do evangelho em seus dias.

Gl.3:5 5. Aquele, pois, que vos concede o Espírito e que opera milagres entre vós, porventura, o faz pelas obras da lei ou pela pregação da fé?

Aquele, pois, que vos concede. Segundo alguns comentaristas, a pessoa aqui mencionada por ter ministrado aos gálatas era Paulo. Seu ministério entre eles havia sido um testemunho da fé salvadora e do poder do Espírito que operava na vida dele mesmo (v. 5) e, da mesma forma, o fato de eles terem aceitado seu evangelho era uma evidência de fé e da operação do Espírito na vida deles (v. Gl.3:2). Se os gálatas encarassem sinceramente a pergunta do v. 5, não teriam dificuldade para responder às perguntas dos v. Gl.3:2-4. Outros comentaristas explicam que a palavra “aquele” se refere a Deus, e que é Ele quem concede o Espírito e opera milagres entre eles. No entanto, a última metade do v. 5, quando comparada com o v. Gl.3:2, sugere que o que está na mente do escritor é um ser humano. Paulo foi evidentemente o agente ou instrumento pelo qual Deus concedeu esses dons notáveis. Ele destaca que seu ministério, e a resposta deles, haviam tido como base a fé, sem depender das disposições do sistema legal.

Gl.3:6 6. É o caso de Abraão, que creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça.

Abraão [...] creu em Deus. Citação de Gn.15:6 na LXX, em que Abraão aceitou as promessas da aliança pela fé. Os oponentes de Paulo tinham feito parecer que ele não respeitava os escritos de Moisés, ao qual eles haviam atribuído uma importância exagerada. Ao enfrentá-los em seu próprio terreno, Paulo cita Moisés para provar sua posição. O caso de Abraão, de quem eles se vangloriavam, era um exemplo do que Paulo cria que deve ser a experiência permanente de todos os cristãos. Em Rm.4:1-3, Paulo cita a mesma passagem como uma prova de que Abraão foi justificado pela fé, e não pelas obras. Se fora certo no caso de Abraão, também devia ser no de seus descendentes (Gl.3:7) e com mais razão com seus filhos espirituais (v. Gl.3:14; Gl.3:26-29). O importante é a superioridade da fé sobre a lei como meio de alcançar a justiça.

Imputado. Ou, “contado”, “atribuído”. A fé demonstrada por Abraão foi creditada em sua conta no Céu, quitando sua dívida, e Deus o considerou justo. As obras não tiveram qualquer relação com o fato de ter alcançado esse crédito favorável nos livros do Céu. Deus simplesmente lhe ofereceu, e ele aceitou pela fé, confiando no cumprimento da promessa de Deus. Seus próprios esforços nunca poderiam ter comprado essa bendita condição (ver com. de Rm.4:9-13). A fé não satisfaz as exigências da lei, pois a lei exige perfeita obediência. Portanto, para que alguém seja justificado pela fé, deve ter em conta outro princípio diferente do das obras da lei. Ser considerado justo significa ser perdoado e admitido ao favor de Deus. O ser humano não pode fazer nada para merecer a dádiva da justiça de Cristo; não pode reivindicá-lo com base em mérito. A graça divina torna possível que um Deus justo considere justos os pecadores arrependidos.

Justiça. Do gr. dikaiosune (ver com. de Mt.5:6).

Gl.3:7 7. Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão.

Os da fé. Ou seja, os que dependem da fé nos méritos salvíficos de Cristo, sem “as obras da lei” (ver com. de Gl.2:16).

Filhos de Abraão. Ou seja, seus descendentes espirituais, e não necessariamente segundo a carne (ver v. Gl.3:26-29). Todos os que têm a mesma fé inabalável de Abraão são considerados seus herdeiros espirituais; são justificados como ele o foi e estão em condições de receber todas as bênçãos prometidas a ele. Em Rm.4:10-11, Paulo destaca o fato de Deus ter atribuído a justiça a Abraão antes de ele ser circuncidado, a primeira das chamadas “obras” da lei que se cumpria com cada judeu e com cada converso ao judaísmo. Se Abraão pôde obter a justificação sem as obras da lei, certamente os gentios poderiam fazer o mesmo. Este é o cerne do argumento de Paulo contra os judaizantes, que insistiam na circuncisão como pré-requisito indispensável para a justificação. Porém, Paulo argumenta que não há diferença entre a maneira pela qual um judeu e um gentio alcançam o favor de Deus; todos os que forem salvos, serão salvos pela fé (Rm.3:22; Rm.10:12). Nunca um judeu ou gentio foi salvo pelas “obras”. A única maneira de qualquer ser humano ser salvo é mediante a fé em Jesus Cristo (At.4:12).

Gl.3:8 8. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos.

Escritura. Neste caso, o AT, especialmente os escritos de Moisés.

Previsto. Citação de Gn.12:3. A promessa feita a Abraão foi uma declaração do propósito divino de enviar o Salvador ao mundo (ver com. de Gl.3:16) para salvar a todos os que aceitam ir a Ele com fé (v. Gl.3:14).

Justificaria. Do gr. dikaioo (ver com. de Rm.3:20).

Gentios. Do gr. ethne, “nações”, no uso do NT, sempre nações não judaicas, pagãs, gentílicas. Os escritores do NT usam a palavra laos, literalmente, “povo”, ao se referir à nação judaica. Foi uma boa notícia para os gentios o fato de que Deus lhes ofereceu a justificação na mesma base em que ofereceu aos judeus, isto é, pela fé.

Preanunciou o evangelho. Do gr. proeuaggelizomai, literalmente, “anunciar as boas-novas de antemão”. A promessa de Gn.12:3 era uma prévia da boa notícia da salvação por meio de Cristo. A boa-nova anunciada a Abraão foi que a bênção da salvação, da justificação pela fé, chegaria a todas as nações por meio dele. Abraão não possuía nenhuma justiça própria, porém a justiça de Cristo lhe foi atribuída por Deus, e ele a aceitou pela fé. Todos os que se tornam justos ou justificados o fazem por meio da fé, como sucedeu com Abraão. Esta tem sido, e sempre será, a única maneira de a humanidade experimentar a justificação.

Em ti. Ou, “por ti”. Abraão e seus descendentes foram constituídos depositários das boas-novas da salvação e receberam a tarefa de ser seus mensageiros a todos os povos. Além disso, um de seus descendentes seria o Salvador da humanidade. De modo que, nesses dois aspectos, todas as nações receberiam as bênçãos da salvação mediante Abraão.

Todos os povos. Deus planejou evangelizar “todos os povos” por meio de Seu povo escolhido (ver vol. 4, p. 13-17).

Gl.3:9 9. De modo que os da fé são abençoados com o crente Abraão.

Os da fé. Ou seja, aqueles que buscam a justiça por meio da fé.

Abençoados. O patriarca recebeu a bênção da justificação porque creu em Deus, e não porque foi escolhido para ser antepassado do Messias. Todos os que creem como ele são igualmente abençoados. A fé que Abraão demonstrou o levou a obedecer a Deus (Gn.26:5), e todos os que têm a fé que Abraão teve obedecerão igualmente à voz de Deus e observarão fielmente os Seus mandamentos (ver Gn.26:5; ver com. de Mt.7:21-27).

Gl.3:10 10. Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo de maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las.

Todos quantos [...] são. Isto é, os que esperam ter a justiça creditada a eles como resultado de sua conformidade com as exigências rituais da lei cerimonial. Esse grupo é contrastado com o grupo do v. Gl.3:9: “os da fé”.

Obras da lei. Literalmente, “obras de lei” (ver com. de GI.2:16).

Maldição. A lei de Moisés continha bênçãos maravilhosas para os obedientes (Dt.28:1-14) e terríveis maldições para os desobedientes (Dt.27:15-26; Dt.28:15-68). A mais leve violação das ordenanças da lei era suficiente para resultar em maldição. Mais tarde, o legalismo foi desvirtuado em um minucioso esforço para evitar incorrer na maldição da lei (ver com. de Mc.7:3). Porém, mesmo evitando a maldição da lei, na melhor das hipóteses, o indivíduo só conseguiria obter uma justiça legal. Ele ainda não teria alcançado a justificação diante de Deus.

Está escrito. A forma do verbo no grego significa que a citação a seguir não somente foi registrada como declaração que expressa a vontade divina, mas que a validade da declaração permanece inalterada. A força de sua vigência não foi diminuída. A fórmula “está escrito” era uma expressão judaica comum para introduzir uma citação dos escritos canônicos.

Livro da lei. “A lei” era o título comum aplicado pelos judeus dos tempos do NT aos escritos de Moisés (ver com. de Lc.24:44). Esta referência provavelmente seja ao livro de Deuteronômio, em particular, que, às vezes, era chamado de Livro da lei. A citação é de Dt.27:26, na forma negativa: “aquele que não confirmar”. Paulo a torna positiva: “todos quantos são das obras da lei” (comparar com. de Rm.2:7). Aqueles que rejeitam o plano divino de salvação por meio da fé nunca poderão atender aos requisitos mínimos da lei. Seus esforços estão fadados ao fracasso.

Gl.3:11 11. E é evidente que, pela lei, ninguém é justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé.

O justo viverá pela fé. Uma citação de Hc.2:4 (ver com. ali; e em Rm.1:17). Após demonstrar que todos os que dependem das obras da lei para a salvação estão sob a maldição (Gl.3:10), Paulo cita as Escrituras para mostrar que é a fé, e não a lei, que traz a justificação. A afirmação de Habacuque 2:4 indica que a pessoa correta, humilde, avança com fé, confiando na sabedoria e na providência de Deus, em contraste com a pessoa orgulhosa, cuja “alma [...] se incha” (ARC) e que duvida da sabedoria e justiça do relacionamento de Deus com a humanidade (ver com. de Hc.2:1; Hc.2:4). Em outras palavras, aquele que é justo procederá com fé. Quando Paulo cita Habacuque, ele o faz para provar que aquele que age com fé, será considerado justo como resultado disso (ver Gl.3:6-9). Paulo declara que a fé é o pré-requisito básico para alguém ser aceito por Deus.

Gl.3:12 12. Ora, a lei não procede de fé, mas: Aquele que observar os seus preceitos por eles viverá.

Não procede de fé. A eficácia da lei não depende da fé; os que a cumprem não necessitam ter fé.

Aquele que observar. Citação de Lv.18:5. Paulo recorre à lei para demonstrar aos seus adversários judaizantes que aquilo que ele ensina sobre a lei é simplesmente uma afirmação do que a lei diz de si mesma. Esta exigia o estrito cumprimento de todos seus requerimentos, porém não proporcionava nenhuma ajuda para que as pessoas pudessem cumpri-la. A lei não capacita o pecador, nem pode fazê-lo, para que alcance o padrão de justiça que ela exalta. Na verdade, todos são pecadores (Rm.3:10; Rm.3:23), inclusive aqueles que têm procurado adquirir a justiça por meio do sistema legal (v. Gl.3:9). A lei somente prescreve obediência, porém a obediência à lei é inútil para tornar um pecador justo diante de Deus. Essa condição de justiça só pode ser alcançada por meio da fé nas promessas da aliança (Gl.3:6; Gl.3:14).

Por eles viverá. Ou seja, viverá uma vida justa, ou será aceito como justo diante de Deus. No entanto, a verdade é que todos os que haviam procurado a perfeição pela lei não tinham alcançado a meta, portanto, atraíram sobre si “a maldição” (ver com. do v. Gl.3:10).

Gl.3:13 13. Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro ),

Cristo nos resgatou. A lei não podia redimir aos que haviam atraído sobre si a maldição, a qual incluía a todos os que alguma vez haviam buscado a justificação por meio dela. A libertação da maldição só pode ser alcançada pela fé em Cristo. Embora sob a tutela da lei nos tempos do AT, todos os que escolheram servir ao Senhor encontraram a salvação pela fé no Messias prometido. A lei não era sua salvadora, mas apenas seu “aio” (v. Gl.3:24) para levá-los ao Salvador e os ajudar a entender as provisões que o Céu fez para sua salvação. A lei, em si, é boa, pois o próprio Deus a ordenou, mas é impotente para salvar do pecado.

Maldição. Ver com. do v. Gl.3:10.

Fazendo-Se [...] maldição. Nosso Senhor nasceu sob a lei (Gl.4:4) a fim de poder “resgatar os que estavam sob a lei” (v. Gl.3:5). Sua morte na cruz expiou as “transgressões que havia sob a primeira aliança” (Hb.9:15), bem como aquelas praticadas depois da cruz. Por isso, Ele tomou sobre Si “a maldição” em que incorreram aqueles que, embora vivendo “sob a lei”, confiavam na expiação que Ele um dia haveria de proporcionar.

Em nosso lugar. Ver com. de Is.53:4-6.

Está escrito. Uma citação de Dt.21:23. “Está escrito” era a forma que os judeus geralmente usavam para começar uma citação das Escrituras (cf. Mt.2:5; Lc.2:23).

Maldito. Esta “maldição” não é a mesma do v. 10 e da primeira parte do v. Gl.3:13. O criminoso que era empalado, ou traspassado por um poste pontiagudo, o método judaico de crucifixão, considerava-se sob a maldição de Deus e dos homens. Essa forma bárbara de execução era na verdade uma demonstração pública do absoluto desprezo em que era considerado o criminoso.

For pendurado em madeiro. O fato de Jesus ter sido crucificado, embora na forma romana, refletia a opinião dos judeus e de seus líderes de que Ele era maldito diante de Deus e também perante eles. Com isso em mente, Paulo cita Dt.21:23 para ilustrar que Jesus morreu sob “a maldição da lei” (ver com. de Gl.3:10).

Gl.3:14 14. para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido.

Bênção de Abraão. Isto é, a bênção prometida a Abraão. Essa foi a bênção de salvação da aliança mediante Jesus Cristo (ver com. dos v. Gl.3:8-9).

Chegasse aos gentios. Ou seja, se tornasse disponível a eles (ver com. do v. Gl.3:8).

Em Jesus Cristo. A negligência de Israel em cumprir seu dever impediu que os gentios recebessem a bênção que Deus pretendia que obtivessem por meio do testemunho do povo escolhido (ver vol. 4, p. 17-20). Em primeiro lugar, isso aconteceu porque os judeus adotaram práticas pagãs e, posteriormente, porque levantaram uma parede inexpugnável que os separava dos gentios. Foi somente mediante Cristo que a bênção do evangelho da salvação prometida a Abraão chegou a todas as pessoas.

Recebêssemos. Paulo usa a primeira pessoa do plural porque se considera unido com os gentios; porém, no v. Gl.3:13, fala como judeu.

Espírito prometido. Receber “a promessa do Espírito” é talvez o equivalente a receber “a bênção de Abraão [...] em Jesus Cristo” (ver com. dos v. Gl.3:2; Gl.3:5). Os gálatas haviam recebido o Espírito prometido (Gl.3:2; Jo.16:7-14). Como a promessa do Espírito é recebida pela fé (Gl.3:2-3), ela está ao alcance dos gentios e dos judeus.

Gl.3:15 15. Irmãos, falo como homem. Ainda que uma aliança seja meramente humana, uma vez ratificada, ninguém a revoga ou lhe acrescenta alguma coisa.

Falo como homem. Ou seja, para usar uma ilustração humana, extraída das relações civis comuns entre as pessoas (cf. Rm.6:19).

Aliança. Do gr. diatheke, que no NT e nos papiros geralmente significa “testamento”, ou “última vontade”. Era uma disposição formulada unilateralmente que a outra parte pode aceitar ou rejeitar, mas não pode alterar. A palavra que corresponde a contrato, ou acordo, em que duas partes se reúnem em igualdade de condições, era suntheke, a qual não ocorre no NT. Paulo usa diatheke “aliança humana”, “testamento” ou “concerto” para ilustrar a “aliança” de Deus com Abraão (Gn.15; Gl.3:6-9; Gl.3:16-18). Deus ordenou as disposições dessa “aliança” ou “pacto”; Abraão as aceitou pela fé e as obedeceu.

Ratificada. Ou seja, tornada obrigatória. Depois que um contrato tenha sido formalmente aceito por aqueles que participam dele, suas condições têm força legal e não podem ser alteradas exceto por consentimento mútuo. Portanto, se as disposições de um acordo humano têm essa validade, Paulo argumenta, será que Deus, só por capricho, alteraria Sua promessa a Abraão de salvar a humanidade com base na fé no Messias vindouro (ver Gl.3:6-9; Gl.3:14; ver com. de Gl.3:16; Hb.6:17-18)?

Revoga. Ou, “anula”, “cancela”.

Gl.3:16 16. Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo.

Promessas. Estas promessas incluíam um filho para ser seu herdeiro (Gn.15:4), a posse literal da terra de Canaã (v. Gl.3:18), a perspectiva de se tornar uma grande nação (Gn.12:2; Gn.15:5), que o Messias seria seu descendente (Gl.3:16) e o privilégio de ser o instrumento escolhido por Deus para proclamar a salvação às nações da Terra (Gn.12:3; Gl.3:8; Gl.3:14). Essas promessas foram repetidas a Abraão em diferentes ocasiões, num período de 50 anos (ver Gn.12:1-4; Gn.12:7; Gn.13:15-16; Gn.15:4-5; Gn.15:13-18; Gn.17:1-8; Gn.17:16-21; Gn.18:10; Gn.22:17-18).

Aos descendentes, como se falando de muitos. Ou seja, a todos os descendentes de Abraão.

Ao teu descendente. O objetivo da aliança de Deus com Abraão foi a vinda do Messias e a salvação da humanidade. Todas as outras promessas eram acessórias. Havia grandes bênçãos para os israelitas, caso cooperassem com Deus (ver vol. 4, p. 14-17), mas, infelizmente, não cumpriram com sua parte (vol. 4, p. 17-20). Por essa razão, perderam o direito de desempenhar sua missão como instrumentos divinos para a salvação do mundo. Apesar de tudo, Deus superou a falha deles, de tal maneira que o Messias veio à Terra na plenitude dos tempos, como filho de Abraão (ver vol. 4, p. 19). A promessa de descendência originalmente apontava no sentido literal a Isaque (ver referências já citadas quanto às “promessas”, em Gl.4:22-23). Porém, o apóstolo Paulo indica, por inspiração, uma verdade mais profunda do que aquela que, vista superficialmente, parecia abarcar a promessa (ver com. de Dt.18:15). Portanto, a promessa teve seu cumprimento parcial primeiramente em Isaque; porém teria um cumprimento final e completo em Cristo. Paulo não excluiu os descendentes diretos de Abraão por meio de Isaque (ver Gl.4:23) nem seus descendentes espirituais em Cristo (Gl.3:29) ao declarar que Cristo foi, em sentido especial, a “semente” prometida a Abraão. Portanto, a promessa alcançou seu cumprimento supremo em Cristo, mas não um cumprimento totalmente exclusivo.

Gl.3:17 17. E digo isto: uma aliança já anteriormente confirmada por Deus, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não a pode ab-rogar, de forma que venha a desfazer a promessa.

Aliança já anteriormente confirmada. Paulo faz menção à segurança que Deus deu a Abraão do cumprimento da promessa da aliança a respeito de uma “semente” (ver com. de Gn.15:13; Gn.15:16; Gn.22:15-17; Gl.3:16; Hb.6:13-18).

A lei. Ou seja, todo o sistema legal sob o qual Israel foi constituído no Sinai como uma teocracia, o que incluía a lei moral que foi proclamada pelo próprio Deus e o sistema cerimonial promulgado mediante Moisés.

Quatrocentos e trinta anos. Ver vol. 1, p. 163. Este período abrange o intervalo desde que Deus chamou a Abraão até o estabelecimento de Israel como nação na época do êxodo (ver com. de Gn.12.3-4; ver com. de Ex.12:40). Esse foi o tempo de permanência primeiramente em Canaã, depois no Egito, entre a promessa de tornar os hebreus uma nação e estabelecê-los na terra de Canaã, e o cumprimento dessas promessas. Paulo se refere à promessa da aliança no início do período e a proclamação da lei no seu final, lei sob a qual Israel deveria funcionar como uma teocracia até a crucifixão de Cristo (ver DTN, 737, 738).

Não a pode ab-rogar. Ver com. do v. Gl.3:15.

Desfazer a promessa. O sistema legal ordenado por Deus no Sinai (ver p. 1030, 1031; ver com. de Gl.2:16) não podia substituir, nem de alguma forma alterar, as disposições da aliança (ver com. de GI.3:15). A “lei” não proporcionou um novo e específico meio de salvação; não estabeleceu um sistema de justificação por meio das obras para ocupar o lugar da promessa de justificação pela fé no Messias vindouro (v. Gl.3:6-8; Gl.3:14), nem para competir com essa promessa. Portanto, as pessoas eram salvas pela fé desde o Sinai até a cruz (sobre a relação da lei com a aliança, ver com. do v. GI.3:19).

Gl.3:18 18. Porque, se a herança provém de lei, já não decorre de promessa; mas foi pela promessa que Deus a concedeu gratuitamente a Abraão.

A herança. Ou seja, as promessas da aliança (ver com. do v. Gl.3:16). Em sentido material, referia-se à terra de Canaã; em sentido étnico, ao papel de Israel como povo escolhido de Deus; e, em sentido espiritual, às bênçãos da salvação por meio do Messias. Embora não haja dúvida de que os dois primeiros aspectos estavam baseados na promessa da aliança, e não na lei, Paulo se ocupa principalmente da “herança” da salvação pela fé em Cristo. Em outras palavras, Deus lhes deu “a herança” em virtude da fé na promessa da aliança de Deus, e não por causa de sua promessa de cumprir os requisitos do sistema legal (ver com. de Ex.19:5; Ex.19:8).

Lei. Ver com. de Rm.2:12; GI.2:16.

Já não decorre de promessa. Ou seja, com base nas promessas incorporadas à aliança feita com Abraão (ver com. dos v. Gl.3:16-17).

Pela promessa. A dedução é clara. A herança veio mediante a promessa, e não pela lei. Abraão só possuía a promessa de Deus. A seus descendentes literais foi dado o status de povo escolhido de Deus, e eles receberam a posse de Canaã em virtude dessa promessa. É verdade que deveriam preservar seu status e a posse de Canaã unicamente se cumprissem a lei, mas não conquistaram o direito à herança. Esse direito lhes pertencia em virtude da fé na promessa; e sua aptidão para preservar esse bem estaria em relação direta com seu cumprimento da vontade de Deus como se expressa na “lei” (ver vol. 4, p. 20, 21). O mesmo sucede com a herança da salvação nesta vida (ver com. de Hb.5:9) e com a eterna herança dos santos na Canaã celestial.

Gl.3:19 19. Qual, pois, a razão de ser da lei? Foi adicionada por causa das transgressões, até que viesse o descendente a quem se fez a promessa, e foi promulgada por meio de anjos, pela mão de um mediador.

Qual, pois, a razão [...]? Por vezes, esta passagem e toda linha de raciocínio de Paulo desde este versículo até o Gl.3:25 tem sido interpretada erroneamente como se significasse que todos os códigos ou leis revelados no AT terminaram no Calvário. A crença de que, na época do AT, as pessoas eram salvas pela observância da lei, mas que, na era cristã, são salvas pela graça mediante a fé é fruto dessa interpretação. Porém, esse conceito é diametralmente oposto ao ensino geral das Escrituras. Deus sempre teve um único meio de salvar os seres humanos, desde Adão até hoje, pela fé no sacrifício de nosso Senhor. A boa notícia é que a salvação foi proclamada às pessoas em todas as épocas (ver Hb.4:2). Em sua carta aos Romanos, Paulo repudiou a ideia de que a graça e o evangelho aboliram a lei: “Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma!” (Rm.3:31). É evidente, portanto, que, independentemente do raciocínio de Paulo em Gl.3:19-25, ele não ensina a doutrina de uma era de salvação, anterior ao cristianismo, por meio da lei, e outra era cristã de salvação pela graça. O que Paulo ensina se vê claramente quando se tem em conta dois fatores.

Em primeiro lugar, para todos os judeus e àqueles ensinados no ponto de vista judaico (como ocorria com os gálatas), os eventos do Sinai foram o início e a essência de toda a religião revelada por Deus para Seu povo escolhido. No Sinai, de forma literal, Deus chamou e separou os israelitas para que fossem Seus e fez deles Seu povo peculiar, Sua nação santa. A característica distintiva dessa experiência inicial no Sinai foi o anúncio do grande código moral que devia ser a norma de vida de Israel, além de: (a) estatutos civis que eram uma interpretação e aplicação do código moral ao estado judeu; e (b) certos estatutos que deveriam reger o ritual simbólico dos sacrifícios e ofertas que apontavam para o grande sacrifício de Cristo. O Senhor havia dito aos israelitas no Sinai que, se fossem obedientes a todas as Suas leis, comeriam do melhor da terra e seriam Seu povo para sempre. No entanto, eles pensaram erroneamente que podiam prestar essa obediência com seus esforços. Assim, sua esperança de ser aceitos por Deus e de receber uma herança para sempre dependia de suas próprios obras, ao observar as leis.

O segundo ponto que deve ser lembrado, a fim de se entender corretamente os v. Gl.3:19-25, é este: Paulo acaba de declarar aos gálatas que, muito antes do Sinai, Abraão tinha recebido a herança simplesmente por haver crido na promessa de Deus. O apóstolo acrescenta, a fim de ilustrar novamente a principal premissa de sua epístola, que a salvação é pela fé e que nada do que aconteceu “430 anos depois” de Abraão poderia mudar os termos pelos quais a herança lhe foi assegurada. O raciocínio de Paulo resume-se nas seguintes palavras: “Porque, se a herança provém de lei, já não decorre de promessa” (v. Gl.3:18). Para todos os que estavam dominados pelo ponto de vista judaico, esse raciocínio de Paulo parece tornar inútil e sem sentido o drama incrível do Sinai, com os grandes códigos da lei e a declaração de Deus de que se obedecessem a essas leis, eles comeriam do bem dessa terra. Em outras palavras, os leitores de Paulo poderiam perguntar imediatamente: “Então, para que serve a lei?”

Adicionada. Do gr. prostithemi, literalmente, “juntar”, “acrescentar”. E por que a lei foi “adicionada” se a aliança abraâmica era suficiente para a salvação? A resposta é: “por causa das transgressões”. A diferença entre os tempos de antes do Sinai e depois não era quanto à existência das grandes leis de Deus, mas quanto à revelação explícita delas. No Sinai, houve uma apresentação concreta da lei moral em duas tábuas de pedra e de outras leis no “Livro da lei”. Mas, nos séculos anteriores ao Sinai, os patriarcas de Deus possuíam, em grande medida, a lei moral escrita em seu coração, portanto, eram conscientes dos elevados padrões morais de Deus (ver Gn.17:9; Gn.18:19; Gn.26:5). Também possuíam, em estado embrionário, as leis do sacrifício ritual. Durante a obscura escravidão no Egito, onde eles habitaram em meio ao mais tenebroso paganismo e à imoralidade mais depravada, eles quase perderam a compreensão ou consciência dos padrões morais de Deus, e até mesmo as ideias mais rudimentares dos sacrifícios. E, quando as pessoas chegam a essa situação, elas ficam insensíveis ao pecado, pois é pela “lei” que temos o conhecimento do pecado. Como Paulo afirma: “Eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei” (Rm.7:7).

Quando Deus tirou Israel da escuridão e da corrupção do Egito, Seu primeiro contato com eles consistiu em lhes fazer uma apresentação das leis morais, que são a norma de Seu governo, e dos estatutos cerimoniais que tinham o propósito de proporcionar a Israel um padrão de serviço ritual que lhes tornasse mais claro o prometido sacrifício de nosso Senhor. A lei “foi adicionada por causa das transgressões” (Gl.3:19), “a fim de que, pelo mandamento, [o pecado] se mostrasse sobremaneira maligno” (Rm.7:13). Os israelitas, acostumados aos conceitos religiosos grosseiros dos egípcios, unicamente podiam compreender que eram pecadores e que, por isso, necessitavam da salvação, se alcançassem uma visão clara da lei moral de Deus. E a apresentação dos estatutos cerimoniais em claros detalhes permitiu que os israelitas fossem capazes de ver a forma como Deus havia planejado salvá-los de seus pecados (comparar com. de Ef.2:15).

Até que viesse o descendente. Isto é, até que Cristo viesse (ver com. dos v. Gl.3:16; Gl.3:24).

A quem se fez a promessa. Ou, “em relação a quem a promessa foi feita”.

Promulgada por meio de anjos. O registro de Êxodo é silencioso a respeito da presença de anjos no Sinai. De acordo com Dt.33:2, havia “miríades de santos [literalmente, “seres santos”]” presentes na entrega da lei. Na LXX, a última parte do versículo diz: “Em sua mão direita [estavam] os Seus anjos com Ele” (cf. SI.68:17). Tanto Estevão (At.7:53) como Paulo (Hb.2:2) falam de anjos participantes da entrega do código mosaico (cf. PP, 364).

Mediador. Ou, “árbitro”, “intermediário”, aquele que se interpõe entre duas partes para conciliar pontos de vista e interesses divergentes, ou que os une em um acordo. No v. Gl.3:20, Paulo esclarece seu propósito, ao mencionar a forma mediada ou indireta em que foi dada a lei cerimonial. Como as leis cerimoniais e civis foram dadas por meio de um mediador, Moisés (ver Ex.20:19; Ex.21:1), procederam indiretamente de Deus. A aliança e suas promessas, no entanto, foram dadas a Abraão diretamente, sem a assistência de um mediador humano.

Gl.3:20 20. Ora, o mediador não é de um, mas Deus é um.

O mediador não é de um. Literalmente, “não de um”, isto é, um mediador não representa apenas uma pessoa. A mediação pressupõe duas ou mais partes, sendo o intermediário representante dos interesses de ambas. O povo de Israel se entendeu com Moisés na ratificação da antiga aliança e na implementação de uma série de leis que a acompanhavam.

Deus é um. A relação dessa declaração com seu contexto não é clara, fato refletido nas mais de 250 explicações diferentes que os comentaristas lhe têm dado. O contexto impede que se considere uma reafirmação de Dt.6:4: “O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor”, e sugere que Paulo aqui se refira à promessa da aliança mencionada em Gl.3:18. Todo o capítulo trata da diferença entre a salvação pela fé na promessa da aliança e a salvação pelas “obras da lei”. A conjunção adversativa “mas”, deste versículo, sugere um contraste entre a lei dos v. Gl.3:19-20 e a aliança da promessa do v. Gl.3:18. A promessa da aliança não foi “adicionada” a qualquer coisa, mas foi entregue pelo próprio Deus. Assim, o v. 20 pode ser parafraseado como: “Ora, o mediador requer um acordo entre duas partes, mas a promessa da aliança foi unilateral, estava subordinada unicamente a Deus, portanto, não requeria mediador”. A antiga aliança (ver com. de Ez.16:60) tinha a forma de um contrato entre Deus e o povo escolhido, mediado por Moisés (ver Ex.19:3-8; Ex.20:19-21; Ex.21:1; Ex.24:3-8; ver com. de Gl.3:15; Gl.3:19); porém a nova ou eterna aliança, concedida por Deus a Abraão, simplesmente estava sob a forma de uma promessa. Na antiga aliança, houve um acordo da parte do povo de obedecê-la, enquanto na nova aliança, só foi necessário aceitar a promessa pela fé, e a obediência se seguiria naturalmente (Gn.26:5).

Gl.3:21 21. É, porventura, a lei contrária às promessas de Deus? De modo nenhum! Porque, se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade, seria procedente de lei.

Contrária às promessas. A lei parece incompatível com a aliança. Pode até dar a impressão de ter substituído a promessa da salvação pela fé por um plano de salvação pelas obras.

De Deus. Evidências textuais favorecem (cf. p. xvi) a omissão desta frase.

De modo nenhum! Ou seja, “pereça este pensamento!”) “uma coisa dessas nunca poderia acontecer!” Deus foi o autor tanto da lei como das promessas, e Ele não repudiaria Sua promessa incondicional de salvação pela fé em Cristo (Hb.6:17-20). Se assim fizesse, negaria Sua integridade como Deus e demonstraria ser incoerente e indigno de confiança.

Dar vida. A lei nunca teve o propósito de oferecer justificação e proporcionar vida eterna (ver com. do v. Gl.3:19). Unicamente por meio de Cristo as pessoas podem ter acesso à justificação, à vida mais abundante no presente e à vida eterna no mundo por vir (Lc.18:30).

A justiça, na verdade. Se fosse possível alcançar a justiça pelas “obras da lei” (ver com. de Gl.2:16), a promessa da aliança se tornaria supérflua. Para o coração carnal, é muito mais atraente um programa de justificação pelas obras do que o plano da justificação pela fé em Deus. É sempre mais lisonjeiro para o ego humano fazer alguma coisa para conquistar a justiça do que simplesmente aceitá-la pela fé como uma dádiva. Aceitar a justificação como uma dádiva é o reconhecimento de que não há nada que se possa fazer para alcançá-la com méritos pessoais. O orgulho carnal se sente ferido se é objeto de caridade material ou espiritual.

Gl.3:22 22. Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que, mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que creem.

A Escritura. O pensamento deriva do SI.14:1-3.

Tudo sob o pecado. Tanto os judeus, que confiavam nas obras da lei para a salvação, como os gentios (Gl.2:15; Gl.2:17; ver com. de Rm.3:9; Rm.3:22).

Em Jesus. Ver com. de Gl.1:12.

A promessa. Isto é, a promessa da aliança da salvação pela fé (ver com. dos v. Gl.3:6-9; Gl.3:14).

Aos que creem. Em outras palavras, não aos que cumprem os requisitos da lei ritual como meio de salvação.

Gl.3:23 23. Mas, antes que viesse a fé, estávamos sob a tutela da lei e nela encerrados, para essa fé que, de futuro, haveria de revelar-se.

Antes que viesse a fé. Ou seja, antes que o mistério de como Deus poderia salvar os homens somente pela fé fosse revelado na encarnação, vida, morte e ressurreição de Cristo (1Tm.3:16; ver com. de Jo.1:17; Gl.3:14; Gl.3:19; cf. com. de Lc.16:16; ver ênfase no tempo da “vinda da fé”, em Gl.3:23; Gl.3:25).

A tutela da lei. Ou seja, sob o sistema legal (ver com. de GI.2:16). “Sob a tutela da lei” significa estar sob sua jurisdição e não sob sua condenação (ver com. de Rm.6:14).

Encerrados. Literalmente, “guardados”, como para impedir uma fuga.

Haveria de revelar-se. A fé dos tempos do AT foi recompensada no primeiro advento de Cristo (cf. Rm.16:25-26; Hb.1:1-2). Antes da encarnação, a promessa de um redentor vindouro requeria a fé em que Deus cumpriria a promessa. Com a vinda de Jesus, a fé encontrou a realidade.

Gl.3:24 24. De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé.

A lei. Ou seja, todo o sistema legal, composto por estatutos cerimoniais, civis e morais (ver com. de GI.2:16).

Aio. Do gr. paidagogos, “tutor”, ou “guardião” de crianças, literalmente, “guia de crianças”, mas não um “professor” (didaskalos). Os paidagogos eram, nas famílias gregas, supervisores dos filhos varões e seus acompanhantes enquanto fossem menores de idade. Eles os acompanhavam à escola, os protegiam de perigos, impediam que se comportassem mal e tinham o direito de discipliná-los. Na arte grega, o paidagogos era geralmente representado com uma vara na mão. Se tivesse instrução suficiente, também podia ajudá-los no preparo de suas lições. A função dos paidagogos é uma ilustração adequada (ver com. do v. Gl.3:19). “A lei” servia como guardiã, supervisora ou custodiante de pessoas escolhidas nos tempos do AT e, à semelhança dos paidagogos, era encarregada da sua formação moral.

A Cristo. Isto é, até que Cristo viesse, conforme o contexto (v. Gl.3:19; Gl.3:23). De acordo com o v. 19, “a lei [...] foi adicionada [à aliança...] até que viesse o descendente [Cristo]” (ver com. no v. Gl.3:16). Ou, para reafirmar o assunto, Israel foi guardado “sob [...] a lei” (v. Gl.3:23), até que a provisão de Deus para a salvação pela fé fosse “revelada” com a vinda de Cristo. Neste contexto, Paulo se refere ao sistema cerimonial, que apontava para Cristo (ver com. de Cl.2:16; Cl.3:19). Também é verdade que a lei moral, os dez mandamentos, foi designada por Deus para conduzir as pessoas a Cristo, pois lhes revela seus pecados e, consequentemente, sua necessidade de purificação do pecado.

Gl.3:25 25. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio.

Tendo vindo a fé. Ou seja, a salvação unicamente mediante a fé em Cristo.

Já não. Note-se a ênfase nos v. 23 e 25 sobre os elementos de tempo: “antes”, “depois” e “não”.

Subordinados ao aio. isto é, sob a lei (v. Gl.3:23; Gl.3:24). Alguns têm interpretado que esta frase significa “sob a condenação da lei”. É verdade que estas palavras poderiam ser explicadas assim. No entanto, essa explicação não concorda com o contexto e, por essa razão, não é o sentido que Paulo procura expressar aqui. A função de um “aio” não era condenar, mas exercer sua jurisdição, proteger, defender (ver com. do v. Gl.3:23; Gl.3:24). O argumento de Paulo não se refere em nada com a condenação que resulta da impiedade, mas com a possibilidade de se alcançar a justificação cumprindo a lei (v. Gl.3:1-3; Gl.3:7; Gl.3:11; Gl.3:14; Gl.3:21; ver com. de Rm.6:14). Devemos nos lembrar que Paulo usa aqui uma figura de linguagem e que, por isso, suas palavras não devem ser forçadas sobre cada detalhe. Há um ponto essencial que ele deseja destacar: é o significado especial do acontecimento importante que ocorreu “430 anos depois” (v. Gl.3:17) de Abraão: o anúncio solene de Deus a Israel da lei moral divina e a entrega, por meio de Moisés, de estatutos civis e um código para dirigir suas cerimônias religiosas. Antes do Sinai, homens santos tiveram, em algum grau, a lei moral escrita em seu coração e conheciam pelo menos os rudimentos do sistema cerimonial.

Quando Deus chamou Israel do cativeiro no Egito, deu a realidade objetiva de todas essas leis, para que os israelitas pudessem ver a malignidade do pecado, revelada pelo decálogo, e o meio pelo qual Deus Se propunha a salvá-los do pecado, conforme demonstra o sistema cerimonial (ver com. do v. Gl.3:19). As próprias leis, tão características do sistema judaico, proclamavam contínuamente a condição perdida do homem e o plano divino para o perdão. Essas mesmas leis cercavam o povo, por assim dizer, e o levavam a ser “encerrados” (v. Gl.3:23), mantidos sob custódia, para um dia de libertação espiritual. Paulo descreve simbolicamente os filhos de Deus que viveram antes do advento de Cristo como se tivessem estado “sob tutores e curadores até ao tempo predeterminado pelo pai” (Gl.4:2). “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (v. Gl.4:4-5). O que sucedeu em realidade aos filhos de Deus, no que se refere à “lei”, que foi “nosso aio”, quando Cristo veio? As leis cerimoniais cessaram porque Deus lhes havia assinalado um limite, pois o sacrifício de Cristo ocupou o lugar dos sacrifícios de animais, então, extinguiram-se as leis que regiam esses sacrifícios.

Quanto aos estatutos civis, eles perderam seu significado pela simples razão de que Israel como nação, ou estado, teve fim, e o Israel espiritual tomou seu lugar. No que diz respeito à lei moral, o decálogo, ele já não permanece em duas tábuas de pedra, como algo separado do ser humano. Em vez disso, aqueles que são “justificados por fé” (v. Gl.3:24) em Cristo se tornam novas criaturas em Cristo Jesus (2Co.5:17), tendo a lei de Deus escrita no coração e na mente (Hb.8:10). E, assim, “o preceito [ou o requisito] da lei” se cumpre neles (Rm.8:4). Por essa razão, Paulo utiliza uma figura de linguagem adequada quando declara que já não estamos “subordinados ao aio”. É difícil entender como alguém pode chegar à conclusão de que Paulo anuncia aqui a abolição do decálogo, a grande lei moral de Deus. Enquanto existir o novo coração e a nova mente dos filhos de Deus, a lei divina estará gravada neles em caracteres vivos.

Gl.3:26 26. Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus;

Pois todos vós sois. Isto é, judeus e gentios (v. Gl.3:28).

Filhos de Deus. Por haver “nascido de novo”, como membros da família de Deus no Céu e na Terra (ver com. de Mt.5:9; Jo.1:12-13; Jo.3:3; Jo.3:5; Rm.8:15-16; Rm.9:8; Rm.9:26; Ef.3:15; 1Jo.3:1-2).

Mediante a fé. Ver com. de Rm.1:5; Rm.1:17; Gl.3:11. Judeus e gentios são salvos pela fé, não pelas “obras da lei” (ver com. de Gl.2:16).

Gl.3:27 27. porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes.

Batizados em Cristo. Ver com. de Mt.3:6; Rm.6:3-4.

De Cristo vos revestistes. Ver com. de Rm.13:14; cf. com. de Mt.22:11. A palavra aqui traduzida como “revestistes” é usada comumente em referência à roupa. “Vestir-se” de Cristo significa adotar Seus princípios, imitar Seu exemplo, aceitar Sua orientação, tornar-se semelhante a Ele (ver com. de 2Co.5:17). Os escritores gregos falam de se vestir de Platão, Sócrates, etc., com o significado de aceitá-los como instrutores e seguir seus ensinamentos (ver com. de Gl.5:22-23). “Revestir-se de Cristo” equivale a despir-se do “eu” e da antiga natureza.

Gl.3:28 28. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.

Judeu nem grego. Ou seja, nem judeu nem gentio (ver com. de Rm.1:16). O cristianismo subordina o papel de etnia e nacionalidade ao princípio da fraternidade de todos (At.17:26). Aqui, porém, Paulo fala da condição de judeus e não judeus diante de Deus (ver com. de At.10:34; Mt.20:15). No reino de Cristo, todos são cobertos pela mesma roupa da justiça de Cristo, recebida pela fé em Jesus Cristo. Porém, para os cristãos judaizantes dos dias de Paulo, essa ideia era uma grave heresia. Alegavam que o único caminho para a igreja cristã era por meio do judaísmo, que o gentio devia primeiro ser circuncidado, tornar-se como judeu, por assim dizer, antes de ser aceito na comunhão cristã.

Escravo nem liberto. Aos olhos de Deus, não há diferença entre escravo e livre. O escravo pode se salvar como o livre. Ambos, se o desejam, serão salvos pela fé em Jesus. O verdadeiro cristianismo é o único que elimina as distinções baseadas em etnia, nacionalidade e posição social. Paulo, no entanto, não está tratando do tema da escravidão em si.

Nem homem nem mulher. Na antiguidade, as mulheres costumavam ser consideradas pouco mais do que objetos, portanto, muito inferiores aos homens. Os filósofos pagãos, às vezes, debatiam se uma mulher tinha alma. Em algumas sociedades pagãs, o pai ou marido tinha tal autoridade sobre as mulheres de sua casa, que podia, inclusive, ordenar sua execução. A elevação da mulher à condição de igualdade ao homem é resultado direto do ensino e da prática cristã. Aqui, no entanto, Paulo pensa na condição da mulher diante de Deus, como pecadora que necessita de salvação.

Um em Cristo Jesus. À medida que se põem em prática os preceitos divinos de amor a Deus e ao próximo, os corações humanos se unem em um vínculo íntimo de comunhão mútua, sob a guia de seu Pai celestial (ver com. de Mt.22:36-40.

Gl.3:29 29. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa.

Descendentes de Abraão. Cristo, como filho de Abraão, tornou-Se, em sentido especial, herdeiro das promessas da aliança (ver com. do v. Gl.3:16). Pelo batismo, chegamos a ser parentes de Cristo e, por meio dEle, adquirimos o direito de participar das promessas feitas a Abraão (v. Gl.3:7-9; sobre a importância que os judeus davam ao Abraão literal, ver com. de Mt.3:9; Rm.9:4).

Herdeiros. Os cristãos, como filhos espirituais de Abraão, se tornam “coerdeiros com Cristo” (Rm.8:17). Como Filho de Deus, Cristo é também herdeiro da honra e glória do Céu, e aqueles que creem nEle se tornam herdeiros de uma posição de honra no universo que nunca teria sido possível aos seres criados desfrutar se o Verbo não Se tivesse feito carne (Jo.1:1; Jo.1:14). Na encarnação, a Divindade e a humanidade se uniram por laços que nunca serão rompidos (DTN, 21, 25, 26). Como herdeiros das promessas da aliança feitas a Abraão, todos os que imitam seu exemplo sublime de fé entrarão na “cidade que tem fundamentos”, que ele próprio já aguardava com fé (Hb.11:10; ver com. de Cl.3:9; Cl.3:14).

A promessa. Ou seja, a “promessa” de Deus a Abraão de justificar tanto os judeus como os gentios por meio da fé, sem as “obras” da “lei” (ver com. dos v. Gl.3:8; Gl.3:14; Gl.3:16).

Gl.4:1 1. Digo, pois, que, durante o tempo em que o herdeiro é menor, em nada difere de escravo, posto que é ele senhor de tudo.

O herdeiro. Neste capítulo, Paulo amplia e ilustra a verdade declarada em Gl.3:17-29, por meio de duas analogias: a do herdeiro (Gl.4:1-9) e a dos dois filhos (v. Gl.4:21-31) separados por um parêntese exortativo e biográfico (v. Gl.4:10-20). O herdeiro (cf. Gl.3:29) representa toda a descendência espiritual de Abraão (Gl.3:7-9; Gl.3:26-29).

Menor. Um herdeiro pode ser criança, mas isso não diminui sua condição de herdeiro. No devido tempo, ele receberá a posse da propriedade de seu pai. Enquanto é criança, tem o direito à herança, mas não tem a autoridade sobre ela. Não está claro se Paulo apresenta o pai do herdeiro como estando vivo ou falecido, porém isso não faz diferença. Como o contexto demonstra (v. Gl.4:2-7), a infância, ou período de menoridade, representa a condição de Israel como povo, enquanto vivia “sob a lei” (Gl.3:17-19; Gl.3:23-25).

De escravo. Literalmente, “um escravo”. Até que o herdeiro chegue à maioridade, ele não tem mais autoridade sobre sua herança, do que um dos escravos de seu pai. Ele é colocado sob a supervisão de um tutor (cf. Gl.3:24), a quem ele é obrigado a obedecer. Por ser ainda carente da maturidade de entendimento e julgamento, ele não desfruta a liberdade que alcançará quando atingir a idade adulta. Assim foi com os judeus sob o sistema legal. Quando os israelitas saíram do Egito, demonstraram ser obtusos e tolos, e progrediram pouco ao longo de sua história (ver Ex.32:9-10; Ex.33:3; Ez.20:1-38; Ml.1:6; Ml.3:7; Mt.21:33-43; Mt.23:29-38; vol. 4, p. 17-20). A “lei” (ver com. de Gl.2:16) que Deus lhes deu quando saíram do Egito estava adaptada a sua capacidade de compreensão.

Os regulamentos elementares do sistema cerimonial foram designados para que eles compreendessem os princípios fundamentais do plano de salvação e os levassem a se apropriar de suas bênçãos (ver com. de Gl.3:19; Gl.3:24). O propósito de Deus era que, ao estar sob essa tutela, alcançassem maturidade espiritual (ver vol. 4, p. 13-15) e herdassem todas as promessas feitas a Abraão (p. 15-17; ver com. de Gl.3:6-8; Gl.3:14).

Senhor de tudo. Paulo parece sugerir que o herdeiro está se aproximando da idade adulta e está ansioso, talvez impaciente, para obter o controle sobre sua herança. Mas ele ainda é menor de idade, e sua autoridade sobre ela não é superior à de um escravo de seu pai.

Gl.4:2 2. Mas está sob tutores e curadores até ao tempo predeterminado pelo pai.

Tutores. Literalmente, “guardiões [dos filhos menores]”.

Curadores. Ou, “gestores domésticos”, “mordomos”, “superintendentes”. Paulo destaca a total dependência de um herdeiro durante a menoridade. Ele é mantido sob constante vigilância para impedir que dissipe a herança (cf. Lc.15:11-32). Nos tempos do AT, Deus colocou Israel sob a tutela do sistema legal, que tinha o propósito de apontar para a futura vinda do Messias e levar a nação a ter fé nEle (ver com. de Gl.3:19).

Tempo predeterminado. Um prazo estipulado pelo pai para o filho receber a herança, geralmente quando o herdeiro atingisse a maioridade. Paulo se refere ao tempo em que Israel deveria ter começado a desfrutar os privilégios da aliança (ver vol. 4, p. 13-20; ver com. de Gl.3:19; Gl.3:24; Gl.4:4).

Gl.4:3 3. Assim, também nós, quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo;

Nós. Paulo fala como judeu (ver com. de Gl.2:15). Quando se refere novamente aos gálatas, ele usa o pronome “vós” (Gl.4:8-21). Finalmente, ele fala de si mesmo como um dos gálatas (v. Gl.4:27-31; cf. com. de Gl.2:15; Gl.2:17).

Quando éramos menores. Ou, antes da cruz.

Servilmente. Ou, “sob escravidão”. Durante todo o tempo do AT, os judeus estavam sujeitos à “lei” (ver com. de Gl.2:16) como um escravo está sujeito ao seu senhor. Deus exigia que cumprissem Seus preceitos assim como um menor deve obedecer aos seus tutores. Era estranho que os gálatas “insensatos” desejassem retornar a esse estado de escravidão (GI.3:1; Gl.4:9; Gl.5:1). Nunca poderiam se liberar da condenação, a qual era tudo que a lei tinha a oferecer (Gl.3:13). Qualquer pessoa que confie em seus esforços para se salvar permanece na mesma condição de escravidão em que estiveram os judeus dos tempos do AT e como estiveram os gálatas, enquanto se submeteram aos judaizantes (ver p. 1030, 1031). Qualquer obrigação autoimposta, ou exigida pela autoridade eclesiástica, resultará em escravidão espiritual, se tomar o lugar da fé em Deus e da submissão a Sua vontade.

Rudimentos. Do gr. stoicheia, no primeiro sentido, “coisas dispostas em fileiras”, mais tarde, o “alfabeto”, porque suas letras eram escritas em uma linha, o ABC. Em sentido literal, stoicheia passou a significar os elementos básicos que compõem o mundo e o universo (como em 2Pe.3:10; 2Pe.3:12); em um sentido cosmológico, os seres espirituais do universo (cf. Cl.2:15) e, em sentido metafórico, os rudimentos do conhecimento (Gl.4:3; Gl.4:9; Cl.2:8; Cl.2:20). As palavras “assim também” igualam a declaração de Gl.4:3 à do v. Gl.4:2 e, assim, os “elementos do mundo” do v. 3 com os “tutores e curadores” do v. 2 (ver com. ali). Paulo se refere ao sistema cerimonial como uma cartilha sobre a religião e seus preceitos como instrução elementar sobre o plano de salvação.

“A lei” (ver com. de GI.2:16) era, portanto, apenas o ABC da verdade revelada, adaptada à compreensão de crianças espirituais (ver com. de Gl.3:24; Gl.4:1). Segundo Paulo, o sistema cerimonial e suas exigências agora pareciam infantis, “fracos” e “pobres” (v. Gl.4:9). As regras cerimoniais foram dadas por Deus para um povo analfabeto, que tinha acabado de sair da escravidão. Os serviços do santuário foram simplificados para que seu significado fosse compreendido. Deus nunca pretendeu que os judeus ficassem satisfeitos com esse enfoque elementar do grande tema da redenção. As cerimônias e sacrifícios eram apenas sombras ou símbolos. Nunca houve o propósito de tomar o lugar da verdadeira confissão e do abandono do pecado (ver Cl.2:17; Hb.10:1; Hb.10:4).

Mundo. Do gr. kosmos, provavelmente, com o significado de “mundo” representando toda a humanidade (ver Jo.3:16-17; Jo.3:19; Rm.5:12; Rm.11:12). A expressão “rudimentos do mundo”, portanto, pode ser entendida como os “princípios religiosos elementares para a humanidade”.

Gl.4:4 4. vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei,

Plenitude do tempo. O tempo exato da vinda do Messias havia sido predito pelos profetas (ver com. de Dn.9:24-25). Nos concílios do Céu, o tempo desse evento tinha sido predeterminado (ver At.17:26). Não só o Messias veio no tempo indicado na profecia de Daniel, como veio no momento mais favorável em toda a história. O mundo estava em paz, sob um só governo. As viagens por terra e mar eram relativamente seguras e rápidas. Havia uma língua universal, o grego. As Escrituras estavam disponíveis em grego (LXX) havia cerca de 200 anos. Muitos estavam insatisfeitos com suas crenças religiosas e estavam ansiosos pela verdade sobre a vida e o destino humano. Os judeus estavam dispersos por toda parte e, apesar de suas imperfeições, davam testemunho do Deus verdadeiro. De todas as partes do mundo, iam a Jerusalém para participar das festas, e poderiam levar consigo, ao retornarem, a notícia da vinda do Messias (ver vol. 5, p. 47-51; DTN, 31-38).

Deus não poderia ter escolhido lugar nem tempo mais propícios para lançar a mensagem do evangelho ao mundo do que a Palestina naquele período da história. A palavra “plenitude” também implica que todos os eventos preditos que precederiam o advento tinham se cumprido ou estavam a ponto de se cumprir. Deus é perfeito em sabedoria e conhecimento, e temos razão para crer que todos os acontecimentos em Seu grande plano cósmico terão lugar na ordem e nos tempos indicados (cf. DTN, 32). Essa precisão é evidente em toda a criação, desde o movimento dos planetas e estrelas até a estrutura do menor dos átomos. Não há razão válida para se duvidar de que exista a mesma precisão no grande plano de Deus para salvar a humanidade.

Enviou Seu Filho. A preexistência de Jesus está implícita aqui. Jesus Se referia à Sua existência anterior com Deus (Jo.16:28). Em Sua oração ao Pai, Ele falou da glória que tinha sido Sua antes que o mundo fosse criado (Jo.17:5; ver com. de Jo.1:1-3; Jo.1:14).

Nascido de mulher. Isto indica a humanidade de Jesus e, unida à declaração anterior, estabelece Sua natureza divino-humana. Ele era ao mesmo tempo Filho do Homem e Filho de Deus, uma grande verdade proclamada também pelos santos profetas do AT (ver Is.7:14; Is.9:6-7).

Sob a lei. Ver com. de Gl.2:16. Como judeu, Jesus cumpriu os requisitos da “lei”, na medida em que eram aplicáveis a Ele, um ser sem pecado (cf. Mt.17:24-27; Lc.2:21-38; Mt.23:1-3).

Gl.4:5 5. para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos.

Para resgatar. Literalmente, “para comprar”. O contexto imediato sugere que Paulo pensava particularmente em redimir da “servidão”, ou escravidão, os que estavam sob “tutores e curadores” (ver com. dos v. Gl.4:2-3). Juntamente com a obra mais importante de resgatar os seres humanos do pecado, o cumprimento dos tipos do sistema cerimonial por Cristo também libertou os judeus da obrigação adicional desse sistema e da “maldição” que recaía sobre todos os que procuravam a salvação pelo cumprimento de suas exigências (ver com. de Gl.3:10; Gl.3:13).

Sob a lei. Literalmente, “sob lei” (ver com. de Rm.2:12; Gl.2:16). Paulo não se referia a estar sob a condenação da lei moral, os dez mandamentos (Gl.4:21). Ninguém jamais “deseja” estar sob a condenação do decálogo. A referência pode ser apenas à jurisdição do sistema legal judaico (ver com. de Rm.6:14).

Recebêssemos. Paulo fala outra vez como judeu (ver com. do v. Gl.4:3). Os crentes gentios nunca tinham estado “sob a lei”, no sentido que aqui se pretende dar.

Adoção de filhos. Ou, “adoção como filhos”. Judeus deixavam de ser crianças imaturas quando, pela fé, aceitavam Jesus como o Messias prometido (ver com. de Jo.1:12-13). A fé nEle os libertava da dependência dos tipos do sistema cerimonial e lhes dava plenos direitos como herdeiros da herança prometida (Gl.4:1-3; Gl.3:6-9; Gl.3:14; Gl.3:16; Gl.3:24). Antes da fé em Cristo (ver com. dos v. Gl.3:23-25), os judeus eram herdeiros potenciais, mas não de fato.

Gl.4:6 6. E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!

Vós sois filhos. Paulo se dirige aos gálatas. Embora gentios, eles tinham sucumbido ao falso evangelho dos judaizantes (Gl.1:6-8) e estavam emaranhados sob o “jugo da escravidão” (Gl.5:1), o sistema legal judaico (Gl.4:9; Gl.4:21), do qual Deus havia libertado até mesmo os cristãos de origem judaica (ver com. de Gl.3:24-25). Alguns crentes da Galácia talvez fossem judeus, e tinham sido atraídos de volta para o legalismo dos judaizantes. Porém os gálatas, fossem judeus ou gentios, haviam se tornado filhos de Deus mediante a fé (Gl.3:2; Gl.3:6-9; Gl.3:14). O retorno aos símbolos da lei cerimonial que apontavam para a própria experiência que eles já estavam desfrutando, em comunhão com o Salvador ressuscitado, seria uma negação da realidade e da validade dessa experiência (ver com. de 1Jo.3:1-2).

Ao nosso coração. Os gálatas haviam experimentado o “apelo” do Espírito (ver com. de 2Co.1:22), que tinha confirmado sua aceitação como filhos de Deus.

O Espírito. Ver com. de Jo.14:16-18; Jo.16:6-11.

Aba, Pai! Ver com. de Rm.8:15.

Gl.4:7 7. De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus.

Já não és escravo. Ver com. do v. Gl.4:1. É o Espírito que dá essa segurança. O crente, como membro da família de Deus, pode como filho e herdeiro, se aproximar de Deus na plena certeza do interesse solícito do Pai. Sob a influência dos judaizantes, os gálatas não tomavam em conta o significado e o valor da liberdade que Deus tão generosamente lhes havia conferido em Jesus Cristo (comparar com a parábola do filho pródigo, em Lc.15.11-32).

Herdeiro. Ver com. de Gl.3:29; Gl.4:1.

Gl.4:8 8. Outrora, porém, não conhecendo a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são;

Outrora [...] não conhecendo a Deus. Paulo se dirige aos membros gentios das igrejas da Galácia e os lembra de sua experiência antes de se tornarem cristãos. Deus não havia Se revelado pessoalmente, nem tinha dado a eles Sua lei. Isso não significa que não tinham qualquer conhecimento de Deus (cf. Rm.1:18-21), mas Ele havia Se revelado de uma forma especial aos judeus, os quais desfrutavam uma vantagem inegável (cf. Rm.3:1-2). Deus passou por alto a relativa ignorância dos gentios (At.17:30).

Por natureza, não o são. Eram ídolos ou falsos deuses e, portanto, não eram deuses em absoluto (ver 1Co.8:4; 1Co.10:20). Antes de conhecer a Cristo, os gentios tinham sido escravos de seus deuses. Não era assim com os cristãos de origem judaica, pois não haviam adorado ídolos antes de conhecer a Cristo.

Gl.4:9 9. mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos?

Mas agora. Os gentios crentes da Galácia não viviam mais em ignorância (cf. At.17:30); portanto, não tinham desculpa.

Conheceis a Deus. Em grego estas palavras sugerem mais do que a percepção mental. Participavam de um conhecimento pessoal e experimental de Deus. Haviam desfrutado o conhecimento da salvação.

Ou, antes. Paulo se apressa em evitar qualquer possibilidade de que os gálatas se orgulhem de conhecer o Deus verdadeiro. Eles não tinham nenhum motivo para reclamar esse mérito. Afinal, a salvação consiste em que Deus busque pelo ser humano, e não o ser humano a Deus (Jo.3:16; ver com. de Lc.15:2; Lc.15:4).

Conhecidos por Deus. Eles se tornaram objetos da atenção favorável do Senhor. É verdade que Jesus veio buscar e salvar a todos os perdidos (Lc.19:10), porém, Deus pode ser encontrado somente por aqueles que O buscam diligentemente (Je.29:13).

Como estais voltando [...]? Paulo deseja desvendar o pensamento nebuloso dos gálatas, pois estavam enfeitiçados, e se dirige a eles diretamente, com o objetivo de interromper o fluxo lógico de sua argumentação. O tempo presente significa que o processo de transformação ainda está em curso. Eles ainda não estavam completamente transformados. O verbo gr. epistrepho, “volver-se”, comumente se traduz como “converter” ou “ser convertido” (Mc.4:12; Lc.22:32; Jo.12:40; At.3:19).

Rudimentos fracos e pobres. Ver com. do v. Gl.4:3. Eles tinham sido libertados da submissão aos conceitos e práticas rudimentares e grosseiros do paganismo. Estavam retornando a uma forma de escravidão pouco melhor do que aquilo de que eles haviam sido libertos pelo evangelho. Cada um desses sistemas era uma tentativa inútil de obtenção de justiça pelas obras. Os gálatas haviam abandonado os ritos e cerimônias do paganismo só para adotar os do judaísmo? Em realidade, o judaísmo havia degenerado em um sistema de observâncias externas, em alguns aspectos, difícil de se distinguir das religiões pagãs (ver vol. 4, p. 19, 20). “A lei” (ver com. de Gl.2:16) era “débil”, pois não tinha poder para salvar nem mesmo seus devotos mais fervorosos, e era “pobre” porque lhe faltava a centelha da vida. Além disso, os judeus tinham adicionado tantas tradições à lei, que seu propósito original fora obscurecido e se tornara um fardo para os que procuravam satisfazer suas necessidades como meio de conquistar a salvação (ver com. de Mc.7:3). Os gálatas estavam renunciando a todos os benefícios do evangelho, porém sem nada receber em troca.

Quereis. Sua conversão ao judaísmo foi voluntária. Eles pareciam ansiosos por trocar a liberdade de valor inestimável pela miséria da escravidão!

Escravizar-vos. Ver com. do v. Gl.4:3.

Gl.4:10 10. Guardais dias, e meses, e tempos, e anos.

Guardais. O grego inclui cuidado escrupuloso.

Dias e meses. Paulo provavelmente se refere aos sete sábados cerimoniais e às luas novas do sistema cerimonial (cf. Lv.23; Nm.10:10; Nm.28:11-15). Não há base nas Escrituras para supor, como alguns fazem, que os “dias” mencionados por Paulo neste texto se referem ao sábado semanal. A Bíblia nunca se refere ao sábado do sétimo dia da semana com essa linguagem. Além disso, o sábado foi instituído na criação (ver com. de Gn.2:1-3; cf. com. de Ex.20:8-11), antes da entrada do pecado e cerca de 2.500 anos antes da inauguração do sistema cerimonial no monte Sinai. Se a observância do sábado semanal sujeitasse as pessoas à escravidão, o próprio Criador teria entrado em escravidão quando observou o primeiro sábado que houve no mundo! Essa conclusão é absurda.

Tempos. Literalmente, “solenidades”. Neste caso, o conjunto de festas anuais do calendário religioso judaico (ver com. de Nm.28:2).

Anos. O ano sabático e o ano do jubileu (ver Ex.23:10-11; Lv.25:8-12).

Gl.4:11 11. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco.

Receio de vós. Ou, “temo por vocês”, ou “temo a respeito de vocês”. Parecia incrível que os gálatas pudessem abandonar tão facilmente a liberdade para volver à escravidão. Será que realmente entendiam o que estavam fazendo e se propuseram a seguir avante a qualquer preço? Seu proceder era insensato a partir de qualquer ponto de vista.

Trabalhado em vão. Se os esforços abnegados de Paulo em favor deles (v. Gl.4:13-14) resultavam apenas na troca de um tipo de escravidão por outro, certamente esses esforços teriam sido inúteis!

Gl.4:12 12. Sede qual eu sou; pois também eu sou como vós. Irmãos, assim vos suplico. Em nada me ofendestes.

Sede qual eu sou. Paulo havia sido um judeu dedicado ao sistema legalista como apenas um fariseu intransigente e fanático o podia ser (At.26:5). Mas ele tinha renunciado a esse sistema, que uma vez tanto amara e, para fins práticos, tinha se tornado um gentio a fim de poder ganhar gentios para Cristo (1Co.9:20-23; 1Co.10:32-33). Por que os gálatas gentios deveriam adotar o judaísmo? Se ele havia abandonado o judaísmo por causa deles, eles não poderiam abandoná-lo por ele?

Eu sou como vós. Paulo tinha se aproximado aos costumes dos gentios, desde que os princípios do evangelho não estivessem envolvidos. Seu modo de viver entre eles tinha sido exemplar.

Assim vos suplico. Ou, “eu vos imploro”. Paulo passa do argumento para a súplica.

Não me ofendestes. A forma do verbo no grego liga esta declaração com os v. Gl.4:13-15, e não diretamente com o v. Gl.4:12. Esta declaração afirma o excelente tratamento que os gálatas haviam concedido a Paulo quando os visitou pela primeira vez. Não deveriam interpretar mal o tom de sua carta (ver Gl.1:6-9; Gl.3:1-4; Gl.4:10-11), entendendo que tivesse uma queixa pessoal contra eles. Ele não tinha nenhuma queixa sobre a forma como fora tratado, pois o espírito manifestado por eles tinha sido dos mais louváveis (v. Gl.4:13-15). Paulo também procurou reavivar o espírito anterior de dedicação e disposição de seguir seus ensinamentos. No início, eles tinham atendido a todas as sugestões, por que não o fariam novamente?

Gl.4:13 13. E vós sabeis que vos preguei o evangelho a primeira vez por causa de uma enfermidade física.

A primeira vez. Talvez isto indique que houve uma visita anterior aos gálatas. Pode ser que ele se refira à primeira das duas visitas anteriores. De acordo com a chamada teoria da Galácia do Sul (ver p. 1029, 1030; Nota Adicional a Atos 16; At.16:40), seria a visita de At.13:14-14:21. No entanto, nada no relato dessa jornada sugere que Paulo teve algum problema de saúde na época. Segundo a teoria da Galácia do Norte, esta seria a viagem de At.16:1-6. A brevidade do relato da última viagem permite supor que a enfermidade corresponde com esse tempo. Se a teoria da Galácia do Norte for aceita, a declaração de Gl.4:13 pode ser considerada uma alusão às visitas que Paulo fez a Galácia em sua segunda e terceira viagens missionárias, com referência específica à visita da segunda viagem (ver com. de At.16:6).

Por causa de uma enfermidade. Ou, “devido à enfermidade”, Paulo não tinha planejado evangelizar a Galácia naquela ocasião, mas fora obrigado a permanecer lá por um tempo, devido a problemas de saúde. Tem sido sugerido que o apóstolo havia contraído malária ou alguma outra doença na zona costeira e, por isso, procurou a maior altitude do interior, na esperança de encontrar alívio. Essa “enfermidade” talvez tenha sido o “espinho na carne” de que ele fala em sua carta aos Coríntios e sobre o qual ele orou a Deus para que o libertasse (ver 2Co.12:7-9).

Gl.4:14 14. E, posto que a minha enfermidade na carne vos foi uma tentação, contudo, não me revelastes desprezo nem desgosto; antes, me recebestes como anjo de Deus, como o próprio Cristo Jesus.

Uma tentação na minha carne (ARC). Evidências textuais (cf. p. xvi) favorecem a variante “a minha enfermidade” (ARA). Isso significaria que as enfermidades de Paulo eram uma tentação para que os gálatas o rejeitassem. O contexto tende a favorecer este significado, que concorda com a atitude habitual de Paulo diante do sofrimento (ver 2Co.4:8-11; 2Co.12:9-10). A variante “uma tentação” refletiria uma tendência para que Paulo encerrasse seu trabalho por causa de uma “fraqueza” física do apóstolo.

Não me revelastes desprezo. A aflição de Paulo poderia ter dado aos gálatas um motivo para tratá-lo com desprezo. Na antiguidade, uma aflição era comumente considerada como uma punição direta de Deus por algum pecado grave (cf. At.28:4). Teria sido natural que os gálatas concluíssem que Paulo havia ofendido os deuses e considerassem que sua mensagem tivesse pouco valor. Mas eles não fizeram isso. Sua resposta, em circunstâncias que poderiam tê-los levado a se voltar contra ele, tinha sido favorável. Que razões, pessoais ou de outra ordem, eles poderiam ter agora, para se voltar contra Paulo? A conduta anterior deles testemunhava contra sua atitude neste contexto.

Como o próprio Cristo Jesus. Eles não poderiam ter concedido a Paulo um tratamento mais favorável. Sua hospitalidade não deixou nada a desejar.

Gl.4:15 15. Que é feito, pois, da vossa exultação? Pois vos dou testemunho de que, se possível fora, teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar.

Exultação. “O que aconteceu com vossa alegria?” A mudança de atitude não havia trazido um aumento de sua satisfação. Haviam preferido suas próprias obras em lugar da confiança no poder de Cristo. Nenhuma alegria ou satisfação pode se igualar às que derivam de uma vida entregue a Jesus Cristo (cf. com. de Mt.11:28-30).

Arrancado os próprios olhos. Não poderia ter havido prova mais convincente de seu afeto por Paulo. Nada para eles teria sido demasiado grande ou difícil de fazer por ele. Por essa razão, alguns têm concluído que os olhos de Paulo foram a causa de sua grande angústia (v. Gl.4:14). Essa foi, de fato, a natureza da aflição permanente de Paulo, embora esta afirmação, por si só, não seja prova suficiente para comprovar o fato (ver Ellen G. White, Material Suplementar sobre 2Co.12:7-9).

Gl.4:16 16. Tornei-me, porventura, vosso inimigo, por vos dizer a verdade?

Tornei-me [...] vosso inimigo? Paulo lhes dizia a verdade como dissera em ocasiões anteriores (cf. Gl.1:8-9). Ele não havia mudado; seu evangelho não havia mudado. Por que então a atitude deles devia mudar em relação a ele? Paulo procurava libertá-los da escravidão do judaísmo, assim como antes os tinha libertado da escravidão do paganismo (ver com. de Gl.4:9). Na realidade, Paulo era seu melhor amigo; estava disposto até a arriscar a perda de sua amizade, ao tentar resgatá-los dos “rudimentos fracos e pobres” do judaísmo (v. Gl.4:9). “Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos” (Pv.27:6). O apelo de Paulo aos gálatas teve um efeito positivo (cf. AA, 388). O fato de os gálatas preservarem sua epístola sugere que eles atenderam a sua exortação e a valorizaram como instrumento de sua salvação. Essa atitude indica o apreço que tinham pelo interesse de Paulo por eles e sua aceitação da verdade que lhes havia apresentado.

Gl.4:17 17. Os que vos obsequiam não o fazem sinceramente, mas querem afastar-vos de mim, para que o vosso zelo seja em favor deles.

Os que vos obsequiam. Ou, “avidamente vos perseguem”. Os judaizantes fingiam um grande interesse no bem-estar dos gálatas, e faziam muito por eles, a fim de convencê-los de seus pontos de vista quanto ao judaísmo e a circuncisão. Eles queriam ter os gálatas como seus seguidores. Esses líderes devem ter exercido uma pressão considerável. Não podemos deixar de condenar seus motivos, porém temos que reconhecer seu zelo (ver com. de Lc.16:8). A falta de entusiasmo por parte dos cristãos, com frequência, origina-se da falta de interesse dos não cristãos nos ensinamentos da igreja. Se estivéssemos cheios de fervor, nosso zelo seria espontâneo. Esforços esporádicos, forçados ou artificiais para representar nossa religião produzem uma impressão fraca. O entusiasmo superficial se revela com o tempo. O melhor testemunho de nossas crenças religiosas é a demonstração de uma vida consagrada aos princípios que elas refletem. Em suma, o que conta é a vida.

Não o fazem sinceramente. Seus motivos eram suspeitos.

Afastar-vos. Provavelmente, das atenções solícitas de Paulo e de seu evangelho. A declaração também pode se referir aos desejos dos judaizantes de excluir os gálatas da igreja até que eles fossem circuncidados. Esses homens astutos possivelmente também tivessem a intenção de afastá-los do contato com outras igrejas leais a Paulo, na esperança de tornar a Galácia o centro de suas atividades entre os gentios.

Para que [...] seja em favor deles. O verdadeiro motivo dos judaizantes ao dar tanta atenção aos gálatas era que eles mesmos se tornassem o centro das atenções dos gálatas. Esperavam que assim ocorresse como resultado de seu interesse fingido no bem-estar da igreja.

Gl.4:18 18. É bom ser sempre zeloso pelo bem e não apenas quando estou presente convosco,

Zeloso. O zelo em si mesmo é digno de louvor quando reflete motivos nobres. Paulo tinha elogiado os coríntios numa ocasião, porque seu zelo havia animado outros a praticar o bem (2Co.9:2). O zelo anterior do apóstolo pelo judaísmo o havia levado a perseguir a igreja cristã (Fp.3:6). Os gálatas tinham confundido o zelo que tinham pelas novas convicções como prova da autenticidade de suas crenças, sem se dar conta de que o zelo nunca pode ser substituto do pensamento santificado e puro. O zelo do judaísmo e dos judaizantes não estava de acordo com o conhecimento (Rm.10:2). Paulo estava muito angustiado com o zelo dos judeus em relação ao cristianismo, quando escreveu sua epístola aos Romanos. A cegueira não era ocasionada pela falta da oportunidade de conhecer, mas porque não estavam dispostos a assimilar o que lhes tinha sido ensinado (ver Os.4:6; vol. 4, p. 17-20). De modo que, prevalecia entre as igrejas da Galácia o mesmo estado de espírito irracional.

Quando estou presente. Paulo não demonstrava seu zelo, para que os gálatas não se tornassem mais zelosos em sua ausência do que quando estava com eles.

Gl.4:19 19. meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós;

Meus filhos. Esta forma afetuosa de se comunicar, comum em João, não ocorre em nenhuma outra passagem dos escritos de Paulo. Não só expressa seu terno sentimento para com eles, mas também revela a imaturidade espiritual deles. Como Paulo considerava como seus filhos espirituais todos os que receberam o evangelho por meio dele, essa expressão não pode ser considerada uma repreensão da parte dele, como pensam alguns comentaristas. Pode ser simplesmente um lembrete da dívida dos gálatas para com ele. Como pai espiritual, era correto e adequado que manifestasse preocupação pelo bem-estar deles. Ele expressa a mesma preocupação com os coríntios a quem se dirige como pai (ver 1Co.4:15).

De novo, sofro as dores de parto. Paulo escreveu aos Coríntios: “eu, pelo evangelho, vos gerei” (ver 1Co.4:15). Ao conduzir os gálatas a Cristo, ele tinha sofrido, por assim dizer, as dores do parto. E, ao começarem a abandonar a fé, ele passava mais uma vez por essa amarga experiência.

Até ser Cristo formado. Paulo persistiria em seus esforços até que Cristo reinasse novamente no coração deles pela fé (ver com. de Gl.2:20). A metáfora do nascimento ainda parecia estar na mente do apóstolo. Jesus falou a Nicodemos da experiência do novo nascimento (Jo.3:3), e Paulo fala de Cristo sendo formado naqueles que O aceitam (ver Cl.1:27). Quando Cristo habita no interior, Ele vive Sua vida perfeita no cristão (ver com. de Rm.8:3-4; Gl.2:20). A mente do cristão é semelhante à de Cristo (Fp.2:5), e o amor de Cristo o guia (2Co.5:14). Esse processo continua até o cristão alcançar a “medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef.4:13).

Gl.4:20 20. pudera eu estar presente, agora, convosco e falar-vos em outro tom de voz; porque me vejo perplexo a vosso respeito.

Estar presente [...] convosco. Paulo preferiria dar sua mensagem pessoalmente. O que ele escrevia podia ser mal interpretado e mal aplicado. Se ele estivesse presente, poderia responder a todas as perguntas que surgiriam quando a epístola fosse lida. Seus inimigos a interpretariam da pior forma possível. Até mesmo Pedro havia encontrado algumas coisas difíceis de entender nas cartas de Paulo (2Pe.3:16). E, atualmente, muitos obscurecem o significado das palavras de Paulo em sua epístola aos gálatas, por não estudá-las em seu contexto e por não tomar em conta o ambiente real que existia nas igrejas da Galácia.

Outro tom de voz. Ou, “meu tom de voz”. Paulo preferiria mudar sua atitude em relação a eles, porém fatos são fatos. Como seria agradável para ele se a atitude alterada deles lhe permitisse expressar confiança neles novamente, em vez de proferir essas palavras de queixa, desconfiança e censura. Seria isso que ele faria, se estivesse presente, quando mudassem seu proceder e volvessem à anterior lealdade ao evangelho. Paulo antecipa sua mudança de coração quando recebessem a epístola.

Porque me vejo perplexo a vosso respeito. Ou, “perplexo convosco”. Sua perplexidade (ver com. do v. Gl.4:19) se deve às coisas graves que ele diz a respeito deles na epístola. Antes mesmo de chegar a este ponto da leitura, talvez eles já tivessem se arrependido. Porém, devido às circunstâncias, tinha que lhes dizer o que considerava ser seu dever. Haviam demonstrado insinceridade e inconstância, e o apóstolo não queria agravar as coisas com severidade indevida. Por isso estava perplexo; não sabia como lidar com eles. Não via com clareza o que deveria dizer.

Gl.4:21 21. Dizei-me vós, os que quereis estar sob a lei: acaso, não ouvis a lei?

Quereis. Ver com. do v. Gl.4:19. Nos v. 21 a 31, Paulo começa sua exortação final contra a loucura do legalismo judaico como um meio de salvação.

Sob a lei. Isto é, sob o sistema legal (ver com. de Rm.2:12; Gl.2:16), em busca da salvação pelas obras. Obviamente, Paulo não se refere aqui à condenação da lei, pois ninguém desejaria estar sob condenação.

Ouvis. Ou seja, “atentais”, “prestais atenção” (ver com. de Mt.7:24).

A lei. Paulo usa então a palavra “lei” em sentido diferente. A ilustração do v. Gl.4:22 é do Pentateuco, a que os judeus se referiam como “a lei” ou “a lei de Moisés” (ver com. de Lc.24:44). Para convencer os “gálatas insensatos” (Gl.3:1) de seu erro ao se voltar para as obras da lei ritual em busca da salvação, Paulo foi à “lei” de Moisés, que contém a lei ritual, em busca das provas. A pergunta de Paulo tinha a intenção de despertar os gálatas para investigar a Palavra de Deus. Caso o fizessem com sinceridade, descobririam por si mesmos precisamente o que ele havia procurado lhes explicar, a saber, que “a lei” aponta para Jesus como aquele de quem eles deviam depender para a salvação. Paulo citava o Pentateuco para apoiar seus ensinos acerca da mensagem de Jesus e de Sua missão.

Gl.4:22 22. Pois está escrito que Abraão teve dois filhos, um da mulher escrava e outro da livre.

Dois filhos. Ismael e Isaque (Gn.16:15; Gn.21:3). Paulo recorre à própria lei (ver com. de Gl.4:21) em busca de uma ilustração da diferença entre a escravidão à lei e a liberdade em Cristo. A cada sábado, eram lidas nas sinagogas algumas porções do Pentateuco (ver vol. 5, p. 45), portanto, os livros de Moisés eram bem conhecidos de todos os judeus e gentios que frequentavam a sinagoga. O caso que se narra era um simples fato da história judaica, mas Paulo a usa em sentido alegórico (v. Gl.4:24) para mostrar a diferença entre a servidão ao sistema cerimonial e a liberdade proveniente da fé em Jesus Cristo. Na realidade, Abraão teve mais de dois filhos (ver Gn.25:1-2), porém Ismael e Isaque eram seus filhos mais velhos e mais importantes. Os falsos mestres haviam destacado a bênção de ser filhos de Abraão (ver com. de Gl.3:7). Paulo recorda aos gálatas que Abraão teve dois filhos, mas que somente um era o herdeiro das promessas da aliança (Gn.17:19-21). O fato de ser descendente de Abraão não era garantia de receber as promessas da aliança.

A escrava. Agar, uma escrava egípcia (ver com. de Gn.16:1-4). Seu filho Ismael era filho de Abraão, seu primogênito; porém, pelo fato de que Agar era escrava, seu filho, por assim dizer, também era escravo.

A livre. Ou seja, Sara, cujo filho Isaque herdaria a liberdade dela.

Gl.4:23 23. Mas o da escrava nasceu segundo a carne; o da livre, mediante a promessa.

Segundo a carne. Ismael era filho do esforço humano de fazer com que as promessas da aliança se concretizassem; um testemunho vivo da falta de fé de Abraão.

Mediante a promessa. Isaque era o filho da promessa, o filho da fé (Gn.12:3; Gn.13:14-16; Gn.15:4; Gn.17:3-6; Gn.17:19-21). O relato de seu nascimento demonstra uma notável intervenção divina (ver Gn.18:10; Gn.21:1-2; Hb.11:11-12). Cada circunstância do nascimento de Isaque destaca a fé. A fé demonstrada por Abraão é um exemplo de fé cristã (cf. Rm.4:16-25). Ele creu nas promessas de Deus quando seu cumprimento parecia humanamente impossível. Isaque foi, sobretudo, o filho da promessa de Deus e da fé de Abraão. Paulo coloca ênfase no fato de que o filho que nasceu da escrava nasceu em uma condição de inferioridade e escravidão, e que o filho da livre nasceu para uma vida de liberdade.

Gl.4:24 24. Estas coisas são alegóricas; porque estas mulheres são duas alianças; uma, na verdade, se refere ao monte Sinai, que gera para escravidão; esta é Agar.

Alegóricas. Alegoria é uma narrativa em que as pessoas, coisas e ações têm um significado metafórico, implícito, mas não expressamente explicado. Com esta alegoria, Paulo ilustra o estado de escravidão espiritual em que os gálatas haviam caído, situação ao que parece, haviam desejado. Os acontecimentos históricos não eram alegóricos, quando ocorreram, nem mesmo quando Moisés os registrou. Paulo é que elabora uma alegoria com eles, com o propósito expresso de ilustrar a lição de fé e liberdade contra obras e escravidão. Ele não diz que tudo isso foi uma alegoria, mas que é alegoria; isto é, que ele extrai desses fatos uma alegoria ao estruturar seu relato. Esse método de discurso era comum nos dias de Paulo (comparar com o emprego de parábolas, tão comum nos ensinos de Jesus, ver vol. 5, p. 197-200). Uma das maneiras mais eficazes de comunicar a verdade é ilustrá-la mediante um relato apropriado e interessante.

Duas alianças. Uma delas era a aliança da fé, representada por Sara, a outra, a aliança das “obras”, representada por Agar (ver com. de Ez.16:60; Gl.3:15; Gl.3:17-19; Hb.8:8-10).

Monte Sinai. Ver com. de Ex.19:5-8; Ex.24:7-8.

Gera para a escravidão. Literalmente, “traz [filhos] para a escravidão”. Enquanto alguém depende das obras da lei para se salvar, não há como escapar do cativeiro. Apesar de tudo o que faça para obter a salvação, nunca encontrará êxito. Ele se obrigou a executar uma tarefa impossível. O legalismo, a letra da lei, qualquer lei, mata (ver com. de 2Co.3:6).

Gl.4:25 25. Ora, Agar é o monte Sinai, na Arábia, e corresponde à Jerusalém atual, que está em escravidão com seus filhos.

Agar. Ou, Hagar.

Monte Sinai. Ou seja, na alegoria de Paulo (ver com. do v. Gl.4:24), Agar representa aqui a aliança do Sinai, das obras (ver com. de Gl.3:19). Por meio de Agar e de seu filho Ismael, Abraão havia tentado fazer cumprir-se o plano de Deus. Essa foi sua maneira de fazê-lo, mas não a de Deus. Não é plano de Deus que a salvação dos seres humanos se cumpra pelas obras da lei, pela simples razão de que é impossível fazê-lo.

Corresponde a. Ou, “é comparável a”, conforme a alegoria de Paulo.

Jerusalém atual. Ou seja, o Israel literal como nação. Israel ainda estava cometendo o mesmo erro que Abraão cometeu com Agar e Ismael, ao tentar descobrir o propósito de Deus de acordo com um plano humano. Os gálatas, ao substituir a fé nas promessas de Deus pelas obras, como Abraão havia feito, estavam voltando ao mesmo tipo de adoração que tinha levado Israel como nação à escravidão, ruína e rejeição.

Está em escravidão. Ver com. de 2Co.3:14-15; Gl.4:3.

Seus filhos. Ou seja, judeus e prosélitos individuais.

Gl.4:26 26. Mas a Jerusalém lá de cima é livre, a qual é nossa mãe;

Jerusalém lá de cima. Assim como a Jerusalém literal representa Israel como nação, a “Jerusalém lá de cima” representa a igreja cristã (ver Hb.12:22-23), a nova nação escolhida (1Pe.2:9). A nova Jerusalém é a capital do reino da glória (ver Ap.21:2; Hb.11:10), mas, neste contexto, Paulo toma Jerusalém em um sentido figurado; o contraste é entre o judaísmo e o cristianismo. A primeira está “em escravidão”, a última é “livre”.

Livre. Isto é, “livre” do “aio” (Gl.3:24-25), da escravidão (Gl.4:3) e da condição de escravidão (Gl.4:22-25).

Mãe. Em linguagem figurada, os judeus com frequência se referiam a Jerusalém literal, ou seja, a nação de Israel, como a “mãe” da geração viva dos indivíduos que compunham a nação. Em sentido similar, a histórica igreja cristã é a “mãe” dos cristãos vivos.

Todos nós (ARC). Provavelmente, uma referência a “todos” de Gl.3:26, ou seja, gentios e judeus. Cristo havia removido o muro de separação entre judeus e gentios (cf. Ef.2:12-22). Essa boa notícia da unidade pela fé em Cristo levou grande alegria aos gentios, pois passaram a ser aceitos como iguais aos judeus (ver At.13:44-48).

Gl.4:27 27. porque está escrito: Alegra-te, ó estéril, que não dás à luz, exulta e clama, tu que não estás de parto; porque são mais numerosos os filhos da abandonada que os da que tem marido.

Está escrito. A citação é de Is.54:1 (ver vol. 4, p. 14-17).

Alegra-te, ó estéril. Nos dias de Isaías, o Israel literal tinha sido “estéril” no sentido de que não dava à luz os frutos da justiça (ver Is.5:1-7) e não tinha feito nada para evangelizar o mundo. A perspectiva de um êxito glorioso pertence à igreja cristã. Paulo aplica à igreja cristã esta promessa originalmente dada aos israelitas literais, do glorioso cumprimento da vontade de Deus para eles como nação portadora de luz para a humanidade (ver vol. 4, p. 16, 21-23). Como uma mulher oriental que não tinha filhos se alegraria por tê-los, da mesma forma, os gentios podiam se regozijar porque os privilégios do evangelho, anteriormente oferecidos a Israel, tornam-se deles (ver At.11:18). Os judeus haviam perdido a oportunidade de ser os arautos do Messias a todo o mundo. Na realidade, foi da parte dos judeus que se levantou a oposição mais obstinada e persistente à obra do apóstolo dos gentios.

Mais numerosos os filhos. Trata-se do grande número de gentios convertidos que estavam respondendo à mensagem do evangelho de Paulo e dos outros apóstolos. Quando Paulo regressava à igreja de Jerusalém para informar a seus líderes, invariavelmente narrava seu êxito entre os gentios (ver At.15:12; At.21:17-19). Os judeus estavam ansiosos por fazer prosélitos (cf. Mt.23:15) e, de fato, eram bem-sucedidos nisso (ver vol. 5, p. 49, 50). Quase todos os gentios, tanto os prosélitos completos à fé judaica como os tementes a Deus, à semelhança de Cornélio, quando Pedro o conheceu (ver At.10:1-2), tinham sido atraídos pelos ideais do judaísmo que eram comparativamente superiores. Porém, muitos gentios hesitavam em aceitar a circuncisão, portanto, ficavam excluídos dos benefícios do culto judaico. Quando esses gentios ouviram o evangelho proclamado, aceitaram de bom grado a boa notícia que lhes concedia igualdade de oportunidades com os judeus para receber todos os benefícios da salvação proporcionados por Jesus Cristo. Muitos dos primeiros gentios conversos por Paulo, provenientes de várias cidades, provavelmente provinham desse grupo. Paulo proclamava a universalidade do evangelho (cf. Rm.1:15-17; Gl.3:26).

Abandonada. Ou seja, a “mulher livre” (v. Gl.4:22-23), “abandonada” porque tinha sido “estéril”.

Da que tem marido. Na alegoria de Paulo, Agar.

Gl.4:28 28. Vós, porém, irmãos, sois filhos da promessa, como Isaque.

Filhos da promessa. Ver com. do v. Gl.4:23. Paulo se refere aos cristãos, cujo privilégio é herdar todas as promessas originalmente feitas a Abraão e seus descendentes (ver vol. 4, p. 21, 22). Os judeus deixaram de entrar nelas por causa da incredulidade (Hb.3:19-4:2), e restou ao povo escolhido de todas as nações entrar no “descanso” ordenado por Deus para todos os que se achegam “confiadamente, junto ao trono da graça” (ver com. de Hb.4:9; Hb.4:16). Os gálatas haviam crido e estavam se regozijando na grande verdade da justificação pela fé até que os falsos mestres de Jerusalém os convenceram a tentar obtê-la por meio das obras. Porém, embora estivessem no processo de passar a “outro evangelho” (Gl.1:6-7), Paulo não tinha perdido a esperança do retorno deles ao caminho da fé.

Gl.4:29 29. Como, porém, outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim também agora.

Nascera segundo a carne. Historicamente, este era Ismael (ver com. do v. Gl.4:22). Na alegoria, Paulo (ver com. do v. Gl.4:24), se refere aos judeus e cristãos judaizantes de sua época, que buscavam a salvação pelas exigências restritas da letra da lei (ver com. de 2Co.3:6).

Perseguia. Ver com. de Gn.21:8-11; Gn.16:4-5. A presença de Ismael tornou difícil a condição de Isaque e ameaçava privá-lo do direito de primogenitura. De forma semelhante, os judeus e os cristãos judaizantes estavam perseguindo os cristãos gentios e tentavam privá-los da promessa da aliança da justificação pela fé.

Nasceu segundo o Espírito. A referência histórica é a Isaque como filho da promessa (v. Gl.4:23). Paulo se refere aos cristãos que participam da promessa de salvação pela fé em Cristo mediante o novo nascimento (ver com. de Jo.3:3; Jo.3:5; Gl.3:2-3).

Agora. Todos conheciam bem as perseguições que Paulo havia sofrido, diretamente da parte dos judeus ou instigadas por eles (ver At.16:19; At.19:24-28; ver com. de 2Co.11:24; 2Co.11:26). Raramente foi incomodado pelos gentios, por iniciativa deles. Seu último encarceramento e execução foram o resultado de falsos relatórios que se originaram com os judeus. As piores perseguições que os verdadeiros cristãos tiveram de sofrer sempre foram aquelas em que os falsos cristãos tentaram exterminá-los devido às diferenças de fé e prática.

Gl.4:30 30. Contudo, que diz a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da escrava será herdeiro com o filho da livre.

A escrava. Historicamente, se trata de Agar (ver com. de Gn.21:10; Gl.4:24). Nesta alegoria, a “escrava” representa a antiga aliança, o sistema cerimonial, o princípio da justiça pelas obras (ver com. dos v. Gl.4:24-25).

Seu filho. Historicamente, Ismael (ver com. do v. Gl.4:22); e, na alegoria de Paulo, simboliza todos os judeus e cristãos judaizantes que defendiam que a salvação estava no reconhecimento do Israel literal como ainda sendo o povo escolhido de Deus e em conformidade com as disposições da antiga aliança e do sistema cerimonial (sobre a atualidade do conselho de Paulo, ver p. 1031, 1032).

De modo algum [...] será herdeiro com. A solução do problema que a igreja da Galácia e de outros lugares enfrentava não era misturar o judaísmo com o cristianismo, mas “expulsar” os princípios dos judaízantes, juntamente com todos os que os promoviam. A salvação pelas obras é incompatível com a que vem pela fé (ver com. de Rm.11:6; Ef.2:8-9). A mistura das duas é impossível, pois, uma vez que a fé seja diluída pelas obras, deixa de ser a pura fé (comparar com os ensinamentos de Cristo sobre o assunto, ver com. de Mc.2:21-22).

Gl.4:31 31. E, assim, irmãos, somos filhos não da escrava, e sim da livre.

Assim. Isto é, na base da alegoria dos v. Gl.4:22-30.

Irmãos. Apesar de seu erro, Paulo, antecipando que os gálatas aceitariam seu conselho, pensa neles como seus “irmãos” na fé.

Somos. Ou seja, os cristãos, tanto judeus como gentios (ver com. do v. Gl.4:28).

A livre. Historicamente, é Sara (ver com. do v. Gl.4:22). Na alegoria de Paulo, é a igreja cristã (ver com. do v. Gl.4:26). Apenas os filhos da “mulher livre” teriam direito aos privilégios da primogenitura (v. Gl.4:30). Os cristãos têm acesso pela fé a todas as promessas feitas a Abraão e ao antigo Israel (ver vol. 4, p. 21,23).

Gl.5:1 1. Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão.

Liberdade. Ou seja, a liberdade da salvação pela fé diretamente em Cristo, sem ter em conta os requisitos do sistema cerimonial (ver com. de Gl.3:25; Gl.4:5; Gl.4:31).

Cristo nos libertou. Ver com. de Gl.3:22-29; Gl.4:4-5; Gl.4:31.

Permanecei, pois. A linha de pensamento iniciada em Gl.4:22 prossegue sem interrupção. Paulo exorta os gálatas a permanecer fiéis ao evangelho como ele originalmente proclamou (Gl.1:6-9) e que não se deixem influenciar no menor grau pelo falso evangelho dos judaizantes. Essa advertência é de suprema importância hoje, em face das inúmeras teorias não bíblicas sobre a salvação e a justificação pela fé (cf. Ef.4:14). Para que a pessoa permaneça “firme”, ela deve estar sobre uma base sólida. Para o cristão, essa base é a verdade estabelecida nas Sagradas Escrituras. O cristão diligente persevera no exame das Escrituras (2Tm.3:16-17; T5, 708) e, em seguida, examina-se a si mesmo para descobrir se permanece firme na fé (2Co.13:5). Não importa quanto a pessoa conheça sobre as Escrituras e sua interpretação, ela deve sempre continuar sua busca por mais verdades. O propósito de Deus é que o cristão continuamente “[cresça] na graça e no conhecimento” de Cristo (2Pe.3:18), compreendendo que “a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv.4:18).

Não vos submetais. Ou, “não sejais seduzidos”. Os gálatas tinham saído da escravidão aos ídolos quando receberam o evangelho de Paulo. Porém, aceitar os princípios do judaísmo seria retornar a um estado semelhante de escravidão (ver com. de Gl.4:3; Gl.4:9). Isso significava praticamente renunciar por completo a Cristo. Negar ou abandonar a verdade deixa a pessoa vulnerável ao erro e ao pecado. É pecado não fazer o que sabemos ser correto (Tg.4:17).

Gl.5:2 2. Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará.

Eu, Paulo. O apóstolo fala na primeira pessoa e se expressa com plena autoridade apostólica. Permanecer em silêncio nessa crise faria dele um traidor diante de Cristo, que lhe havia confiado o cuidado das igrejas (cf. 2Tm.4:1-2). Ele recebeu sua autoridade de Cristo (ver com. de Gl.1:11-12) e esperava ser reconhecido como representante de Deus e porta-voz do Senhor (ver com. de 2Co.5:19-20). Quando a ocasião exigia, Paulo defendia sua autoridade sem temor nem jactância (cf. 1Co.5:3-5; 2Co.13:1-4).

Se vos deixardes circuncidar. É como se Paulo estivesse dizendo: “Vocês sabem que, no passado, fui um judeu estrito, um crente firme nos ritos e cerimônias do judaísmo” (cf. At.26:5). O que estava em perigo era importante; a situação era crítica. Paulo considerava ser necessário exercer firmeza para evitar que algumas pessoas que estavam a ponto de praticar ritos judaizantes assim procedessem. O apóstolo não queria dizer que aqueles que haviam sido circuncidados estavam impedidos de se tornar cristãos, pois ele mesmo era circuncidado. Se algum dos gálatas havia aceitado a circuncisão, poderiam, assim como ele, considerar sua circuncisão como “incircuncisão” (1Co.7:18-20). Porém, os que queriam adotar a circuncisão na esperança de alcançar uma experiência mais elevada de justificação pela fé, precisavam ser advertidos (ver com. de Rm.4:9-13).

Nada vos aproveitará. As promessas de Deus pertencem somente aos que as aceitam pela fé, e não aos que se propõem a conquistá-las pelos próprios méritos. As boas obras humanas são sem valor no banco do Céu (ver Is.64:6). A justificação pelas obras é incompatível com a justificação pela fé. O que foi conquistado não pode ser recebido como se fosse um dom (Rm.4:4-5; Rm.11:6). Paulo procura com muita insistência que esse fato seja reconhecido. As “obras da lei” (ver com. de Rm.2:12; Gl.2:16) são inúteis como meio de salvação (ver com. de Cl.3:19; sobre a atualidade deste princípio, ver p. 1031, 1032).

Gl.5:3 3. De novo, testifico a todo homem que se deixa circuncidar que está obrigado a guardar toda a lei.

De novo, testifico. Comparar com Gl.3:10.

Está obrigado. Tal pessoa se coloca sob as ordens da “lei” e esta passa a ter direitos sobre ele. Paulo faz essa afirmação, levando em conta que, se a pessoa negligenciar apenas um de seus requisitos, “a lei” a coloca “sob a maldição” (ver com. de Gl.3:10). Os judaizantes que estavam subvertendo as igrejas da Galácia, pelo menos até aquele momento, haviam enfatizado apenas a circuncisão, e algumas outras exigências legalistas selecionadas (ver Gl.4:10; Gl.5:2-3). Porém, a lei não admite que se faça uma seleção: é tudo ou nada. Aquele que aceitava a circuncisão, expressava dessa maneira sua crença em todo o sistema e concordava em se submeter a todas as suas exigências. Dessa forma, manifestava desconfiança na eficácia da expiação feita em seu favor por Jesus Cristo. Seria impossível aos gálatas manter uma fidelidade ao judaísmo e ao cristianismo ao mesmo tempo (ver com. de Mt.6:24).

Paulo não tinha o propósito de ensinar que é pecado ser circuncidado. Havia consentido em que Timóteo fosse circuncidado, apesar das circunstâncias bem diferentes. Timóteo era meio judeu, e Paulo permitiu que fosse circuncidado como uma concessão aos preconceitos dos judeus, entre os quais ele estava trabalhando (ver At.16:1-3). No que se refere a Paulo e Timóteo, o ato foi mera formalidade. O que Paulo negava e combatia era a insistência dos judaizantes na necessidade da circuncisão como meio de salvação e como um requisito nas igrejas cristãs.

Toda a lei. Ver com. de Gl.2:16.

Gl.5:4 4. De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes.

De Cristo vos desligastes. Ou, “cortastes relações com”, “tornastes inoperante”. A relação de aliança exige fé absoluta por parte do crente (ver com. do v. Gl.5:1). Portanto, aquele que mistura obras de justiça com fé viola sua parte do contrato, portanto, Cristo é liberado de qualquer obrigação adicional para com ele. As “obras” são a negação da fé. Os gálatas chamavam a si mesmos de cristãos; na verdade, tinham sido convencidos de que só os que aceitassem “a lei” poderiam ser verdadeiros cristãos. Com seu proceder estavam negando precisamente o que Cristo fizera por eles e se haviam privado dos méritos do Salvador. Se pudessem, de fato, conquistar a salvação, que necessidade haveria de Cristo, afinal? Sua obra em seu favor se tornaria supérflua, pois haviam encontrado uma forma de se acertar com Deus em seu próprio nome. Se pudessem encontrar justificação fora de Cristo, não precisariam dEle. Porém, Jesus tinha declarado que ninguém pode ir ao Pai senão por Ele (Jo.14:6; At.4:12). A ênfase de Jesus na verdade de que Ele é “o caminho” é tão preeminente em Seus ensinos que, nos anos posteriores, Seus seguidores se denominavam o povo do “Caminho” (ver At.9:2; At.22:4).

Justificar-vos na lei. Ou seja, acham que podem obter justiça por uma obra de lei (ver p. 1030, 1031; ver com. de Rm.3:20; Gl.3:19; Gl.3:24). O máximo que a “lei” pode fazer é mostrar a uma pessoa sua necessidade de justificação e lhe apontar o caminho para Cristo. Paulo havia apresentado em sua pregação o plano divino para a salvação da humanidade. É o mesmo plano pelo qual Abraão recebeu a justificação (ver com. de Gl.3:6). Foi depois de ter sido declarado justo que ele recebeu o rito da circuncisão. A circuncisão, uma das “obras da lei”, não produziu sua justificação. Era um sinal de que Abraão tinha aceitado a justificação pela fé (cf. Rm.4:9-11). As “obras” que Paulo recomenda mais adiante (Gl.5:13-6:15) são o “fruto do Espírito” (Gl.5:22) e, a prova do poder de Cristo para a salvação (Rm.1:16), mas de forma alguma são um meio de obter a salvação.

Da graça decaístes. Literalmente, “caístes da graça”, “caístes em desgraça” (sobre o significado de “graça”, ver com. de Rm.3:24). Os gálatas haviam recebido o Espírito de Deus (Gl.3:2-3), haviam experimentado a justificação pela fé (Gl.1:6), tinham realmente desfrutado a liberdade do evangelho (Gl.5:1), tinham “corrido bem” por um tempo (v. Gl.5:7). Se procurassem a salvação pelas “obras da lei” (ver com. de Gl.2:16), perderiam a graça de Cristo que até então haviam desfrutado (ver com. de Gl.5:1-4; cf. com. de Gl.3:19). Esses dois métodos de alcançar a salvação se excluem mutuamente. A adoção de um é a rejeição do outro. A tese de alguns, de que Paulo afirma neste versículo a retirada arbitrária da graça de Deus por causa de certos atos de pecado, não tem apoio bíblico. A perda do favor divino resulta do ato voluntário da pessoa que renuncia a ele. Deus não retém de ninguém as bênçãos da salvação, a não ser daqueles que se excluem (ver Ez.18:23; Ez.18:31; Ez.33:11; 2Pe.3:9; ver com. de Jo.3:17-20; Ef.1:4-6).

O contexto da afirmação mostra que a responsabilidade recai sobre os que deliberadamente rejeitam a salvação pela fé, em troca da salvação pelas obras. Deus não abandona os seres humanos, mas estes é que se afastam dEle e rejeitam a misericórdia. Deus promete perdão a todos que se afastam dos caminhos obstinados (ver Jo.3:16; 1Jo.1:9). O único que cai da graça de Deus é aquele que voluntariamente escolhe uma forma de agir que sabe ser contrária à vontade de Deus. Esse é o estado deplorável de muitos professos cristãos. Essa condição é o resultado do desejo de seguir as inclinações naturais do coração humano de desfrutar os prazeres do pecado, em lugar de atender à voz do Espírito de Deus. Até que essas pessoas cometam o pecado imperdoável, que consiste em resistir persistentemente à voz do Espírito (ver com. de Mt.12:31-32; Mt.12:43-45), há esperança de que possam ser restauradas à graça. Neste versículo, Paulo rejeita outro ensino popular, que carece de base bíblica, e que comumente se expressa pelas palavras: “uma vez salvo, salvo para sempre”. Essa crença, por sua vez, se baseia em outro ensinamento não bíblico, segundo o qual, Deus predestinou alguns para que sejam salvos e outros para que se percam, sem levar em conta a livre escolha de cada neste assunto (sobre a natureza da predestinação bíblica, ver com. de Jo.3:17-20; Ef.1:4-6).

De acordo com o conceito popular de predestinação, aqueles a quem Deus elegeu para a salvação não podem cair da graça divina, porque seu direito lhes foi garantido por Deus. Portanto, com raciocínio semelhante, aqueles a quem Deus predestinou para a condenação nunca poderão alcançar a graça divina e, consequentemente, nunca poderão cair. A dedução é que, aqueles que parecem ter caído da graça, só caíram em aparência, visto que, realmente, nunca estiveram nela. Basta dizer que, somente descontextualizando Gl.5:4, é possível fazer com que pareça sustentar-se essa conclusão (ver com. dos v. Gl.5:1-4). Na realidade, essa teoria dos chamados “decretos divinos” ignora todas as declarações das Escrituras de que a vontade humana é o fator decisivo para a salvação de cada um (ver Is.55:1; Ez.18:21-30; Ez.33:12-13; Lc.5:32; Jo.6:37; Jo.7:37; Jo.12:32; Rm.10:13; Rm.11:20-23; 1Co.9:27; Ap.22:17). A doutrina de que Deus predetermina alguns para a salvação e outros para a destruição, desconsiderando a escolha individual sobre o assunto, é incompatível com afirmações bíblicas. Portanto, o ensino de que a pessoa não pode cair da graça, tendo em vista que, quando está “na graça”, está “sempre na graça”, revela-se uma invenção humana.

Gl.5:5 5. Porque nós, pelo Espírito, aguardamos a esperança da justiça que provém da fé.

Porque nós. O pronome “nós” é enfático: “nós” que procuramos a salvação pela fé, em contraste com aqueles a que se referem os v. Gl.5:1-4, que a procuram pelas obras da lei (ver com. de Gl.2:16).

Pelo Espírito. O Espírito Santo foi enviado para realizar a obra que Cristo tinha começado (Jo.14:16), e era pela operação do Espírito que as pessoas participariam da salvação pela fé em Cristo (Gl.16:7-9). A presença do Espírito na vida dos crentes é um lembrete constante, uma garantia de que Deus cumprirá todas as Suas promessas (ver com. de 2Co.1:22). Em particular, isto é verdade sobre as promessas da volta de Jesus e da herança dos santos (Ef.1:13-14; Cl.1:27; Tt.2:13). A dádiva da justificação é comunicada às pessoas por meio da atuação do Espírito Santo (ver Jo.16:8). Nesse aspecto reside a diferença entre a justificação ineficaz que os seres humanos buscam pelas obras e a justificação eficaz, que sobrevem pela fé. Na primeira, o Espírito não tem parte, pois o esforço é puramente humano, portanto, independente da graça divina.

Aguardamos. Do gr. apekdechomai, “esperar pacientemente”. Nos outros seis casos em que esta palavra ocorre (Rm.8:19; Rm.8:23; Rm.8:25; 1Co.1:7; Fp.3:20; Hb.9:28) ela é usada com referência à espera da vinda de Jesus ou à ressurreição.

A esperança da justiça. Isto é, a esperança possibilitada por meio da justificação. Paulo não sugere que os que receberam o Espírito devem esperar por justificação. Eles “aguardam a esperança” transmitida pela justiça, a esperança do cumprimento do plano de salvação no retorno de Jesus e a ressurreição dos mortos (Rm.8:23; Tt.2:13). Paulo fala finalmente da justificação como uma obra concluída na vida do cristão (Rm.5:1; ver com. de Mt.5:48).

Provém da fé. Não pelas “obras”.

Gl.5:6 6. Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor.

Em Cristo Jesus. Paulo assim descreve o estado daquele que foi justificado pela fé em Cristo, daquele que se tornou cristão, não apenas de nome, mas de verdade.

Circuncisão. Ver com. de Gn.17:10-11; Rm.4:11. Paulo não condena, em nenhum sentido, os que foram circuncidados; ele apenas adverte que, quando uma pessoa está “em Cristo Jesus”, a circuncisão não faz nenhuma diferença. O fator decisivo é a fé. A circuncisão em si é uma questão indiferente para os cristãos, exceto as consequências físicas implícitas; porém, o cristianismo sempre estará em guerra contra o suposto valor religioso do rito e do conceito de obras de justiça que carrega.

A fé que atua. Fé tem obras, mas estas não são as “obras da lei” (ver com. de Gl.2:16). Assim, excluem-se todas as “obras” realizadas com o propósito de obter justiça (ver p. 1031, 1032). As “obras” que acompanham a fé genuína são inspiradas pelo espírito de gratidão pelo dom da graça divina, pelo amor a Deus e ao próximo (ver Gl.5:14; ver com. de Mt.22:34-40). Tiago fala de obras como essas quando declara que “a fé sem obras é morta” (Tg.2:26; Tg.4:17). Neste ponto, concordam os ensinamentos de Paulo e de Tiago. Os dois não estão em conflito, como alguns apressadamente concluem. A fé que não produz o “fruto do Espírito” na vida é falsa (GI.5:22-23). A suposta fé que leva a pessoa a se considerar eximida de obedecer à vontade de Deus tal como se expressa no decálogo, que é simplesmente uma breve descrição de como se deve demonstrar o amor a Deus e ao ser humano, é uma falsificação (ver com. de Mt.5:17-18; Mt.7:21-27).

Sem a obediência, a profissão de amor é pura hipocrisia. A obediência ao dever conhecido é o resultado inevitável da justificação que provém da fé e é o teste supremo de sua autenticidade (ver Tg.2:18). Paulo declara que o propósito de Deus em dar Seu Filho para salvar os pecadores (ver com. de Jo.3:16) foi para permitir que os princípios de Sua santa lei se cumpram na vida dos seres humanos (ver com. de Rm.8:3-4). Na seção de Gl.5:13-6:15, Paulo trata do tipo de “obras” que recomenda.

Pelo amor. O amor a Deus e aos homens é o espírito que impulsiona as “obras” que acompanham a fé.

Gl.5:7 7. Vós corríeis bem; quem vos impediu de continuardes a obedecer à verdade?

Corríeis bem. Paulo compara a vida cristã a uma corrida (1Co.9:24; 1Co.9:26; Fp.2:16; 2Tm.4:7; Hb.12:1). Os gálatas tinham “corrido bem” até a chegada dos judaizantes (ver com. de Gl.1:6-7; Gl.3:1). Eles iniciaram a corrida cristã com ardor e zelo.

Impediu. Do gr. anakopto, “fazer voltar”, “deter”, como um navio em seu curso. Na terminologia militar significa, por exemplo, interromper uma estrada, destruir uma ponte ou colocar obstáculos no caminho de um inimigo para deter seu avanço. Obviamente, havia alguns que estavam perturbando os gálatas (Gl.1:7) e os haviam “enfeitiçado” (Gl.3:1, NTLH). Eram os judaizantes (ver p. 1029, 1030).

Gl.5:8 8. Esta persuasão não vem daquele que vos chama.

Esta persuasão. Ou seja, persuasão para que aceitassem os ensinos dos judaizantes.

Daquele que vos chama. Isto é, Paulo, ou talvez Deus falando por intermédio de Paulo (ver com. de Gl.1:6; 2Co.5:19-20). Deus não os poderia tê-los persuadido assim, nem tampouco Paulo. Deve ter havido algo peculiarmente fascinante no ensino dos judaizantes, pois muitos dos primeiros cristãos haviam sido seduzidos por eles, e grande parte do que Paulo escreveu advertia contra eles (ver p. 19, 1029, 1030). Era tão estranho que os cristãos fossem seduzidos pelos judaizantes como os judeus o foram pela idolatria nos tempos do AT.

Gl.5:9 9. Um pouco de fermento leveda toda a massa.

Fermento. Ver com. de Mt.13:33; 1Co.5:6; 2Tm.2:17. A influência dos judaizantes havia começado de forma aparentemente restrita, porém, alcançou proporções surpreendentes. Quando Paulo cita esse provérbio em sua epístola aos Coríntios (1Co.5:6), refere-se ao exemplo contagioso de alguns membros cuja conduta Paulo se sentia compelido a repreender. Se o movimento na Galácia continuasse, com o tempo, toda a igreja cristã teria voltado à prática dos ritos e cerimônias do judaísmo.

Gl.5:10 10. Confio de vós, no Senhor, que não alimentareis nenhum outro sentimento; mas aquele que vos perturba, seja ele quem for, sofrerá a condenação.

Confio de vós. O avanço da apostasia na Galácia, embora alarmante, ainda não estava completo (ver com. de Gl.1:7; Gl.3:10; Gl.4:10; Gl.5:3). Paulo estava certo de que pelo menos a maioria reconheceria seu erro e não se desviaria (cf. 2Co.2:3; 2Co.7:16; 2Co.8:22). Esta expressão de confiança reflete bom-senso da parte de Paulo, como líder da igreja, pois confiança inspira confiança e estimula à ação. Os líderes devem sempre fazer ressoar uma nota de esperança e coragem, mesmo sob duras provas.

Nenhum outro sentimento. Ou seja, eles terão a sabedoria de aceitar o conselho de Paulo e dar atenção a sua advertência (ver com. dos v. Gl.5:1-6). Paulo evita com tato não exercer pressão sobre seus leitores para que cressem da mesma forma que ele. O apóstolo apresenta os fatos de forma honesta e lógica, e os convida a tomar suas próprias decisões à luz das provas apresentadas. Espera que haja unidade na igreja da Galácia e, visto que a única conduta razoável a seguir é a que ele aconselha, crê que os gálatas verão as coisas como ele. Ele os elogia antecipadamente pelo seu bom-senso.

Aquele que vos perturba. Ver com. de Gl.1:7. Os gálatas estavam vacilantes, em estado de incerteza e perplexidade. Mais de uma pessoa fora responsável pela deserção na Galácia (Gl.1:7; Gl.4:17). O fato de Paulo utilizar o pronome singular “aquele”, talvez não signifique que ele se refiria a algum líder em particular, mas a cada mestre da heresia individualmente; ou “aquele” pode refletir o fato de que somente uns poucos eram responsáveis por perturbar a igreja.

Condenação. Do gr. krima, “sentença” imposta. Aqueles que estavam subvertendo as igrejas da Galácia teriam que responder diante de Deus por sua conduta repreensível e também aceitar a punição que o Senhor lhes imporia (ver At.17:31; Rm.14:10; 2Co.5:10). Paulo acredita no triunfo da verdade e da justiça, e que nada pode impedir a marcha do evangelho (ver 2Co.13:8; Fp.1:12).

Gl.5:11 11. Eu, porém, irmãos, se ainda prego a circuncisão, por que continuo sendo perseguido? Logo, está desfeito o escândalo da cruz.

Prego a circuncisão. Os judaizantes acusavam Paulo de proceder assim, provavelmente porque ele havia permitido que Timóteo, e talvez outros, fossem circuncidados (At.16:1-3). Eles tinham a intenção de fazer com que Paulo parecesse incoerente (ver com. de Gl.5:2-4).

Continuo sendo perseguido. Paulo responde à acusação infundada, formulando uma pergunta que descarta sua validade. Se isto é verdade, ele pergunta, por que os judaizantes ainda o perseguiam? (Ver 2Co.11:26; Gl.2:4). O maior número de perseguições que Paulo sofreu foi nas mãos dos judeus (ver com. de Gl.4:29). Nos lugares onde a perseguição se levantava, isso ocorria quase sempre porque não havia espaço para o legalismo judaico em seu evangelho. Essa era uma acusação falsa, pois Paulo continuamente citava a Moisés para fundamentar seu evangelho. Como a circuncisão era o distintivo peculiar do judaísmo, teria sido muito estranho que os judeus o perseguissem se realmente acreditassem que ele estava defendendo a circuncisão.

Está desfeito. “A circuncisão” é incompatível com a “cruz” (ver com. dos v. Gl.5:1-2). Se Paulo realmente estivesse pregando a “circuncisão”, ele não mais estaria pregando a “cruz”. Pois uma não podia existir ao lado da outra.

Escândalo. Do gr. skandalon, vara móvel que dispara uma armadilha (ver com. de 1Co.1:23). Metaforicamente, um skandalon pode ser qualquer coisa que engana uma pessoa e a faz tropeçar. Para os judeus, a cruz era um skandalon, um “tropeço” (1Co.1:23, TB). Pensavam assim por que esperavam que o Messias viesse como um grande líder político e militar para libertá-los da tirania romana (ver com. de Lc.4:19). Quando Jesus se submeteu às crueldades que Lhe infligiram, os judeus chegaram à conclusão de que Ele não poderia ser o Messias. Interpretaram Sua humildade como fraqueza. Se tivessem aceitado a profecia de Is.53, não teriam cometido esse erro. Não havia espaço em sua mente ou coração para um Messias sofredor.

Gl.5:12 12. Tomara até se mutilassem os que vos incitam à rebeldia.

Tomara. Paulo não desejava o mal aos seus oponentes. Ele simplesmente queria dizer que era natural e lógico que os judaizantes fizessem o que ele lhes sugeria, pois ao fazê-lo revelariam o que realmente eram: fanáticos.

Mutilassem. Do gr. apokopto, “cortar”, como uma corda (At.27:32), “desmembrar”, “mutilar-se”, como em Mc.9:43; Jo.18:10, “castrar-se”, “tornar-se eunuco”, como aqui, em Dt.23:1 (LXX) e, em geral, nos papiros. A palavra nunca é usada em sentido figurado, como cortar uma pessoa da comunhão da igreja, ou tirar-lhe a vida. A cidade de Pessino, na Galácia central (ver mapa, p. 1029), era a sede do culto e adoração a Cibele, deusa da natureza na antiga Anatólia. Os homens que dedicavam a vida ao culto e serviço de Cibele tinham o costume de se tornar eunucos. Paulo sugeria que os judaizantes, que defendiam a circuncisão, poderiam muito bem se castrar. Se uma medida de virtude podia ser assegurada pela circuncisão, poderiam obter maior virtude ainda castrando-se. Devido à deliberada distorção dos ensinos de Paulo (v. Gl.5:11), os judaizantes demonstraram que não eram melhores do que os pagãos (ver p. 19; ver com. de At.16:6). Este é o clímax do argumento de Paulo contra os judaizantes e sua última referência a eles no livro de Gálatas. Judaizar equivalia a adotar o paganismo, e a circuncisão não é de mais valor como meio de salvação do que a prática pagã da castração. A circuncisão, como rito religioso para os cristãos, era tão desprovida de significado como a mutilação do corpo.

Gl.5:13 13. Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor.

Chamados à liberdade. Ou seja, a “liberdade” da salvação pela fé em Cristo, em oposição à salvação pelas obras da lei (ver com. do v. Gl.5:1; sobre a relação entre a “liberdade” do evangelho e da lei de Deus, ver com. do v. Gl.5:6; comparar com os ensinos de nosso Senhor sobre o tema da liberdade cristã, Jo.8:31-36). Liberdade não deve ser confundida com licenciosidade. O verdadeiro amor a Deus nos leva a procurar entender e cumprir Sua vontade. O amor e a graça de Deus não eximem a pessoa da lealdade e obediência a Ele (ver com. de Mt.7:21-27; Gl.5:6). A “liberdade” da qual Paulo fala é a liberdade do “cativeiro” do sistema cerimonial (ver com. de Gl.5:1; sobre a liberdade cristã e a lei divina, ver com. de Rm.3:31; cf. com. de Gl.3:19; Gl.3:24). Uma pessoa não pode experimentar alegria maior do que a que provém da cooperação inteligente, de todo o coração com o propósito divino que lhe deu existência.

Ocasião à carne. A liberdade do evangelho não é uma licença para que se pratiquem as “obras da carne” (ver com. dos v. Gl.5:19-21). A liberdade é segura unicamente quando há domínio próprio para equilibrá-la. Deus liberta as pessoas do pecado e, em seguida, efetua nelas “tanto o querer como o realizar, segundo a Sua boa vontade” (Fp.2:13; cf. com. de Rm.8:3-4).

Servos uns dos outros. Isto é, em vez de tentar se aproveitar uns dos outros. As duas últimas frases constituem uma antítese. Aquele que dá “ocasião à carne” serve a si mesmo, não ao seu próximo. O amor pelos outros se manifesta pela disposição de servi-los (ver com. de Mt.22:39-40). Paulo geralmente se refere a si mesmo como “servo” (cf. Rm.1:1; Tt.1:1), mas sua servidão era voluntária, fruto do amor. O amor a Deus encontra sua mais sublime e melhor expressão em amor e serviço aos semelhantes (1Jo.4:20-21). Em Gl.5:13-6:15, Paulo enfatiza a verdade de que a única prova válida de terem sido aceitos por Deus e de ser Seus filhos é uma vida transformada (Gl.6:15), em que “o fruto do Espírito” (Gl.5:22-23) atinge a maturidade e faz “o bem a todos” (Gl.6:10; Gl.5:13). Esse tipo de amor cumpre a lei (Rm.13:10).

Gl.5:14 14. Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.

A lei. O texto grego desta passagem tem o artigo definido “a” (ver com. de Rm.2:12). Paulo se refere à Torah, isto é, a toda a vontade de Deus revelada à humanidade, mas, especialmente, à lei moral, como sugere o contexto.

Um só preceito. Ou seja, o amor (ver com. de Mt.5:43-44).

Amarás o teu próximo. Uma citação de Lv.19:18. Este é o tema de Gl.5:13-6:15. O amor pelos semelhantes é o tema dos últimos seis mandamentos do decálogo (ver com. de Mt.22:39-40). Estes seis governam as relações interpessoais, enquanto os quatro primeiros regem as relações entre Deus e o ser humano. O silêncio de Paulo sobre os primeiros quatro mandamentos não sugere que eles perderam seu valor para os cristãos. Longe disso. O tema da epístola, até este ponto, são as relações corretas entre o cristão e Deus. Mas, para que os gálatas não errassem pensando que a religião consiste apenas no relacionamento correto com Deus, Paulo esclareceu que também consistia nas relações corretas com seus semelhantes.

Gl.5:15 15. Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutuamente destruídos.

Se [...] vos mordeis e devorais. Metáfora expressiva que sugere uma espécie de canibalismo. Os gálatas se comportavam como animais selvagens, vorazes. Com suas palavras e atos se devoravam mutuamente. Sem dúvida isso incluía as murmurações, as calúnias e dissensões.

Mutuamente destruídos. A história eclesiástica registra o triste destino de sucessivos grupos religiosos, nos quais se cumpriu a advertência de Paulo. A unidade da fé, e a unidade dos crentes dentro da unidade da fé, foi o tema da oração do Senhor registrada em Jo.17. Quando prevalece uma condição como esta descrita por Paulo, nenhum grupo cristão pode desfrutar uma experiência religiosa saudável.

Gl.5:16 16. Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne.

Andai no Espírito. Literalmente, “andai em Espírito”, isto é, em harmonia com os ideais espirituais (ver com. de Rm.8:1; Rm.8:14). Paulo usa esta expressão repetidas vezes em suas epístolas. O Espírito Santo é o agente designado por Deus para conduzir as pessoas à vida eterna (ver com. de Jo.16:8-11).

Concupiscência. Do gr. epithumia, “luxúria” (ver com. de Mc.4:19). Quanto à expressão “concupiscência da carne”, ver com. de Rm.13:14. “Satisfazer à concupiscência da carne” é aceitar a orientação das paixões, dos sentimentos e desejos carnais, a antítese de andar “no Espírito”. O caminho do Espírito leva à vida, mas o caminho da carne leva à morte (cf. Rm.8:6-8). A palavra “carne” aqui significa a natureza humana corrompida.

Gl.5:17 17. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer.

Contra o Espírito. A guerra aparentemente interminável continua, ou seja, a luta entre a inclinação para fazer o bem e a inclinação para fazer o mal. Quando Paulo analisou esse conflito em sua experiência passada, ele viu que a vitória só é possível por intermédio de Jesus Cristo (ver Rm.7:24-8:2).

São opostos entre si. Algo inevitável e invariável. Não há acordo entre os dois. Ceder ao mal nunca resulta em bem.

O que [...] seja do vosso querer. Ver com. de Rm.7:21-24. O ensino de Paulo sobre a fraqueza da carne não concorda com a crença de que existe no ser humano uma força latente, por meio da qual ele pode vencer as más tendências.

Gl.5:18 18. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei.

Guiados pelo Espírito. Ver com. de Rm.8:14.

Não estais sob a lei. Paulo adverte aos gálatas que o Espírito Santo nunca leva as pessoas a buscar a salvação mediante a conformidade com os requisitos do sistema ritual judaico, ou por qualquer sistema de justiça legal (ver p. 1031, 1032). Por outro lado, os que se submetem a uma religião legalista estão em guerra com o Espírito Santo (ver com. de Gl.2:16).

Gl.5:19 19. Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia,

Obras da carne. Ou seja, as obras que resultam da operação sem restrições das paixões, sentimentos e desejos humanos (ver com. do v. Gl.5:16). Paulo apresenta uma lista parcial dessas “obras”, nos v. 19 a 21.

Conhecidas. A lista de pecados a seguir são apenas alguns exemplos, pois não esgotam o tema. Apresentam-se: sensualidade, superstição, egoísmo e intemperança. Ao deixarem a orientação do Espírito Santo, esses maus frutos surgiram na vida dos galátas.

Adultério (ACF). Evidências textuais (cf. p. xvi) favorecem a omissão desta palavra. “Impureza”, isto é, imoralidade em geral, naturalmente, incluiria “adultério”.

Prostituição. Ou, “relação sexual ilícita” (ver com. de Mt.5:32).

Impureza. Pode ser “devassidão” (ver com. de 2Co.12:21).

Lascívia. Ou, “libertinagem” (ver com. de 2Co.12:21).

Gl.5:20 20. idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções,

Idolatria. Qualquer coisa que tome o lugar de Deus em nossas afeições se torna um ídolo. Os cultos pagãos comumente incluíam práticas imorais e encorajavam seus devotos a praticá-las (ver vol. 2, p. 21-23, ver com. de Dt.23:17).

Feitiçarias. Do gr. pharmakeia, literalmente, “veneno”, “porção mágica”, “administração de medicamentos” e “feitiçaria” (ver com. de Ex.7:11), a suposta capacidade de produzir magias. Paulo encontrou a prática da feitiçaria em Éfeso (ver com. de At.19:19). A antiga feitiçaria e o espiritualismo moderno têm muito em comum. João inclui a feitiçaria entre os pecados dos que serão finalmente excluídos da presença de Deus (Ap.21:8; Ap.9:21; Ap.18:23).

Inimizades. Ou, “hostilidades”.

Ciúmes. Ou, “inveja”, “zelo”.

Dissensões. Ou, “sedições”, “divisões”.

Facções. Do gr. haireseis (ver com. de 1Co.11:19; comparar com a situação da igreja de Corinto, ver 1Co.1:12-13). O verdadeiro espírito cristão produz unidade (ver com. de Jo.17:21).

Gl.5:21 21. invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam.

Homicídios (ARC). Evidências textuais (cf. p. xvi) favorecem a omissão desta palavra.

Glutonarias. Ou, “bebedice”.

Não herdarão. Ver com. de 1Co.6:9; Ap.21:27.

Reino de Deus. Aqui, o futuro reino da glória divina (ver com. de Mt.4:17; Mt.5:2).

Gl.5:22 22. Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade,

Fruto do Espírito. Aquilo que se desenvolve naturalmente na vida quando o Espírito tem o controle (v. Gl.5:18). Os resultados desse controle estão em contraste com as obras da carne (v. Gl.5:19-21). O fruto do Espírito não é produto espontâneo da natureza humana, mas de um poder completamente diferente e que provém do exterior da pessoa. Pode-se chamar a atenção para o fato de que a palavra “fruto” está no singular, ao passo que a palavra “obras” (v. Gl.5:19) está no plural. Existe um só “fruto do Espírito”, e esse único fruto inclui todas as graças cristãs enumeradas nos v. Gl.5:22-23. Em outras palavras, todas essas graças devem estar presentes na vida do cristão, e não se pode dizer que ele produz o “fruto do Espírito” se uma delas faltar. Por outro lado, existem muitas formas pelas quais o mal pode se manifestar, e é necessário estar presente apenas uma das más características mencionadas nos v. Gl.5:19-21 na vida, para que a pessoa seja classificada com os que praticam as “obras da carne”. São necessárias todas as virtudes cristãs para que uma pessoa seja um verdadeiro seguidor de Cristo; porém, basta somente uma das “obras da carne”, para tornar alguém um seguidor do maligno.

Amor. Ver com. de Mt.5:43-44; 1Co.13.

Alegria. Ver com. de Rm.14:17.

Paz. Ver com. de Jo.14:27.

Longanimidade. Ou, “paciência”; ver com. de 1Co.13:4; 2Co.6:6.

Benignidade. Ou, “bondade”, do gr. chrestos (ver com. de 2Co.6:6). Uma pessoa gentil tem temperamento brando, calmo e disposição tranquila. Um cristão nunca deve ser áspero nem mal-humorado, mas sempre alegre, atencioso com os outros e cortês.

Bondade. Ou seja, retidão de coração e de vida, de motivação e conduta (ver com. de Mt.7:12; Mt.12:33; Mt.19:17; Jo.7:12).

Fidelidade. Do gr. pistis, que significa tanto “fé” como “fidelidade”. A “fé” é uma atitude de confiança em outras pessoas ou em verdades para as quais a evidência objetiva é incompleta. A “fidelidade” é uma qualidade de conduta que dá aos outros os motivos para confiar em nós. A fé é uma atitude mental; a fidelidade é um padrão de conduta. “Fidelidade” seria, nesta passagem, uma característica mais apropriada, pois se aproxima mais dos outros aspectos do “fruto” do Espírito mencionados na lista (ver com. de Hb.11:16).

Gl.5:23 23. mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei.

Mansidão. Ou, “gentileza”, “humildade” (ver com. de Mt.5:5; Mt.11:29).

Domínio próprio. Literalmente, “autocontrole”. A palavra inclui muito mais do que se abster de bebidas alcoólicas. Significa moderação em todas as coisas e domínio completo de cada paixão e apetite. Os excessos de todo tipo são excluídos. É possível ser intemperante mesmo no trabalho para o Senhor, ao descuidar das leis da saúde (quanto ao ideal cristão de perfeição, ver com. de 1Co.10:31; cf. com. de Mt.5:48). Evidências textuais (cf. p. xvi) favorecem a inclusão da palavra “pureza” a esta lista de virtudes cristãs.

Não há lei. Não há nenhuma condenação aos que ordenam sua vida desta maneira. “Obras” como essas são recomendadas (ver com. dos v. Gl.5:6; Gl.5:13-14), enquanto as “obras” do sistema cerimonial são condenadas (v. Gl.5:1; Gl.5:4). Apenas os que refletem em sua vida essas características do Espírito são livres e podem desfrutar genuína felicidade. Só eles estão em paz com Deus e com as pessoas.

Gl.5:24 24. E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências.

Crucificaram a carne. Ou seja, renunciaram completa e irrevogavelmente a cada tendência natural que não estava em harmonia com a vontade de Deus (quanto à expressão “crucificado com Cristo”, ver com. de Gl.2:20; cf. com. de Rm.6:2-16; e sobre “a carne”, ver com. de Cl.5:13; Cl.5:17; Cl.5:19). A guerra do cristão contra as tendências naturais, os apetites e paixões profanos consiste em duas etapas. A primeira é uma decisão bem meditada, firme e irrevogável de submeter o coração à vontade de Cristo, para que Ele purifique a vida e elimine cada má tendência da vida. Essa decisão deve ser reafirmada a cada dia e durante o dia com frequência, sempre que surjam tentações ou a pessoa se aperceba que ainda não tem alcançado a meta. Só assim pode o cristão cumprir o mandamento de apresentar seu corpo “por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (ver com. de Rm.12:1). Deus aceita essa decisão resoluta da vontade e prossegue com o trabalho celestial de transformar a vida (Rm.12:2), conformando-a à semelhança de Cristo. Esse é o processo da santificação, de atingir a “medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef.4:13; quanto à condição do cristão durante esse processo, ver com. de Mt.5:48).

O cristão ainda pode cometer erros (ver MJ, 338), embora não deliberadamente, mas quando vai a Cristo, genuinamente arrependido (Hb.4:15-16; 1Jo.2:1), e reafirma seu voto original de lealdade, ele é reconhecido como filho de Deus e recebe o privilégio de vestir o manto da justiça de Cristo (ver com. de Mt.22:1-14). O desânimo pode surgir devido a falhas, quando tentamos derrotar o pecado com nossa própria força, em vez de confiar no poder de Deus, ou quando deixamos de cooperar com Ele (cf. Fp.2:12-13). Também há o perigo de nos contentar com o que temos alcançado, perigo de medir nosso progresso pelo dos outros que nos rodeiam. A crucifixão da carne é uma luta que não admite tréguas nesta vida. No entanto, a experiência do cristão pode ser de vitória contínua em Cristo Jesus, e de se levantar imediatamente se vier a cair (ver com. de Rm.7:25-8:4; 1Jo.5:4).

Concupiscências. Ver com. do v. Gl.5:16.

Gl.5:25 25. Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito.

Se vivemos. Se temos aceitado a condução do Espírito Santo, demonstremos de forma efetiva em nossa vida diária.

Gl.5:26 26. Não nos deixemos possuir de vanglória, provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros.

Possuir de vanglória. Ou, “vaidade”, “egoísmo”. Os cristãos não devem se orgulhar nem mesmo em seu coração de suas realizações espirituais (v. Gl.5:25), mas humildemente considerar os outros superiores a si mesmos (Fp.2:3).

Provocando uns aos outros. Nada pode ser mais ofensivo aos outros do que a presunção de que somos mais virtuosos ou superiores do que eles.

Tendo inveja uns dos outros. Isto é o contrário de “provocar uns aos outros”. É tão fatal para o caráter cristão invejar aqueles que, em certos aspectos, talvez sejam superiores a nós, como é nos sentirmos superiores. Demonstrar superioridade é, muitas vezes, uma tentativa de esconder sentimentos de inferioridade devido à percepção de que os outros são superiores. A inveja conduz ao ódio, e este por sua vez leva à vingança. A humildade sempre permanece como uma virtude cristã primordial (ver Fp.2:3).

Gl.6:1 1. Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado.

Se alguém for surpreendido. Isto é, se cai é porque a tentação é muito forte. A linha de pensamento do cap. 5 continua sem interrupção. Paulo se refere ao fato de que um cristão pode, em um momento de debilidade ou de descuido espiritual, baixar a guarda (ver com. de Gl.5:24). Não é um hipócrita obstinado. Seu propósito era “andar no Espírito” (cf. Gl.5:25), porém caiu, vencido pela tentação. Havia se empenhado para que o “fruto do Espírito” (v. Gl.5:22-23) fosse evidente na sua vida, porém, para sua tristeza, descobriu que retornara a algumas das antigas “obras da carne” (v. Gl.5:19-21). Tinha recebido o Espírito (Gl.3:2), “começado no Espírito” (v. Gl.3:3), havia iniciado sua marcha sob a orientação do Espírito (Gl.5:18) para produzir o “fruto do Espírito” (comparar com v. Gl.5:22-23). Suas intenções eram boas, mas, à semelhança de Paulo (cf. Rm.7:19-24), descobriu, para seu desalento, que a carne é fraca.

Espirituais. A saber, os que são “guiados pelo Espírito” (Gl.5:18). Aparentemente, havia um grupo de igrejas gálatas que não tinha abandonado o evangelho de Paulo em troca dos ensinos dos judaizantes. Dificilmente Paulo teria chamado de “espirituais” aqueles que estavam apostatando, pois tais pessoas renunciavam à orientação do Espírito (Gl.3:3).

Corrigi-o. Do gr. katartizo, “restituir”, “aperfeiçoar”, “emendar” ou “ajustar”. Os escritores gregos de temas médicos usavam este termo quando se referiam à reparação de um osso ou articulação deslocada. Aqueles que permaneciam “espirituais” não deveriam tomar a atitude arrogante em relação ao irmão que tinha caído diante dos ataques da tentação. Não deveriam desanimá-lo nem induzi-lo mediante críticas ou censuras a ceder ainda mais diante das “obras da carne” (ver com. de Gl.5:19; Gl.5:26). Ele necessitava muito de uma mão solidária que o ajudasse a sair do poço de pecado em que tinha caído. Desapontado e desiludido, ele precisava de alguém que se aproximasse dele com paciência, bondade e mansidão (v. Gl.5:22-23); alguém que compreendesse que ele mesmo poderia algum dia ser vencido pela tentação e necessitar de ajuda semelhante. Ao lidar com os que se desviaram, devemos, mais do que em qualquer outra circunstância, praticar a regra áurea (ver com. de Mt.7:12). Esse é o dever e o privilégio dos que são controlados pelo Espírito e que andam pelas sendas da justiça.

Outros não estão qualificados para uma tarefa tão delicada. Deus chama os que são “espirituais” para orientar as ovelhas desviadas de volta aos pastos verdejantes da verdade e da justiça. Paulo lidava resolutamente e sem medo com aqueles que persistiam no pecado aberto (ver 1Co.5:3-5), mas com ternura e paciência com aqueles que demonstravam o desejo de ser restaurados (2Co.2:5-11). A disciplina da igreja exige uma equilibrada mescla de firmeza e bondade. Paulo nunca rebaixava as elevadas normas do evangelho; seu propósito foi sempre a salvação de homens e mulheres e sua restauração a Cristo quando se extraviavam (ver com. de Mt.6:14-15; Mt.7:1-5; Mt.18:10-35).

Brandura. Ver com. de Mt.5:5; Gl.5:23. Jesus foi um exemplo de mansidão (ver Mt.11:29), e aqueles que seguem Seu exemplo serão amáveis e tolerantes ao lidar com seus irmãos. Não criticarão nem censurarão, nem se apressarão a aplicar sem piedade a disciplina da igreja sobre os que erram. Seu zelo pela justiça será temperado com misericórdia. Seu principal objetivo será a restauração do ofensor. Suas propostas e decisões serão para curar e não para condenar. A manutenção da autoridade da igreja não ocupará o primeiro lugar.

Guarda-te. Não podemos restaurar os outros a menos que sejamos corretos, e não podemos saber se somos corretos, a menos que verifiquemos constantemente nossa vida pelo padrão divino e participemos diariamente da vida de Jesus. Quando procuramos corrigir os defeitos alheios, devemos fazer uma autoanálise. Os que desejam resgatar a seu próximo da correnteza do pecado devem ter seus próprios pés bem plantados em terra firme. A preocupação com nossa posição espiritual diante de Deus é um requisito indispensável antes que nos dediquemos aos que necessitam de ajuda. Também devemos estar sempre conscientes de que somos propensos a cair. Essa percepção nos guardará de exibir uma atitude do tipo mais-santo-do-que-tu, ao ajudarmos um irmão que caiu.

Gl.6:2 2. Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo.

Cargas. Do gr. baros, “peso”, “carga”, “opressão”. A regra áurea (Mt.7:12) apela a que todos os seguidores de Cristo considerem os problemas dos outros como seus próprios. A aplicação desse princípio nas relações pessoais, em casa, na comunidade, na escola e na igreja, e nos níveis nacional e internacional, resolveria os males do mundo. Somente a graça de Cristo torna possível a aplicação desse princípio em todas as circunstâncias (ver Mt.5:43-47).

A lei de Cristo. A lei, ou princípio, que motivava a vida de Cristo era levar as cargas uns dos outros. Cristo veio à Terra como grande portador dos fardos da humanidade (ver Is.53:6). O único “mandamento” formal que o Senhor deu aos discípulos, enquanto esteve na Terra, foi “que vos ameis uns aos outros” (Jo.13:34; sobre o sentido em que esse mandamento era “novo”, ver com. de Jo.13:34). Cristo também declarou que “toda a lei e os profetas”, toda a vontade revelada de Deus (ver com. de Lc.24:44), se baseia no amor a Deus e aos semelhantes. Aos romanos, Paulo escreveu que o amor cumpre a lei (Rm.13:10). Assim, “a lei de Cristo” é a síntese dos dez mandamentos, pois quando vivemos essas leis, realmente amamos a Deus e os seres humanos (ver com. de Mt.22:34-40; ver também com. de Mt.5:43-44; Lc.10:30-37).

Gl.6:3 3. Porque, se alguém julga ser alguma coisa, não sendo nada, a si mesmo se engana.

Julga ser alguma coisa. Ou seja, considera ser superior aos que caíram ante as investidas da tentação (v. Gl.6:1; ver com. de Rm.12:3; 1Co.8:2; sobre o orgulho e a humildade cristã, ver com. de Lc.14:7-11; Lc.18:9-14).

A si mesmo se engana. Aquele que valoriza sua obra ou seus méritos mais do que é justo; tal pessoa “se engana”. O perigo da presunção reside no fato de que ela sufoca a autocrítica e o senso de necessidade. Antes que Deus possa fazer qualquer coisa por nós, devemos nos conscientizar de nossa necessidade (ver com. de Mt.5:3). A pessoa que tem menos esperança no mundo é aquela que se engana em completa satisfação própria. Deus não pode fazer nada por nós, a menos que estejamos dispostos a aceitar o que Ele oferece. Aquele que não tem conhecimento da própria necessidade nunca pedirá a graça de Deus.

Gl.6:4 4. Mas prove cada um o seu labor e, então, terá motivo de gloriar-se unicamente em si e não em outro.

Prove cada um o seu labor. Ou seja, “examine cuidadosamente sua própria conduta e seus motivos e lhes dê um valor justo de acordo com a “lei de Cristo” (v. Gl.6:2; ver com. de 2Co.13:5). O Espírito Santo tem a missão de nos ajudar nessa tarefa (ver Jo.16:8-15). É melhor que o cristão submeta sua vida a esse exame crítico logo e não adie para só fazer isso quando for demasiado tarde, quando o grande Juiz de toda a humanidade ordenar o comparecimento dele diante do tribunal da justiça divina. Esse processo de prova é essencial para o crescimento na graça e para avançar rumo à santificação. O cristão fará bem em pesar cada dia suas inclinações e ambições à luz dos propósitos revelados e dos planos de Deus para ele, e sob a orientação do Espírito Santo.

Unicamente. Quando se trata de fazer uma análise do caráter, é melhor que cada um se concentre em si mesmo, e não nos outros. Seria insensatez trabalhar ou se esforçar para corrigir os defeitos dos outros e não enxergar as próprias faltas (ver com. de Mt.7:1-5). Que alegria, finalmente, ele teria em contemplar o aperfeiçoamento do caráter de outros, e ele mesmo ser reprovado? Será muito melhor para ele dedicar seu tempo e seus esforços para corrigir os defeitos de seu próprio caráter. No grande dia do juízo, ele terá então motivos para se alegrar (ver com. de Gl.6:7-9).

Gl.6:5 5. Porque cada um levará o seu próprio fardo.

Fardo. Do gr. phortion, “carga”, “fardo”, algum objeto que se deve transportar. Os “fardos” do v. Gl.6:2 podem ser deixados de lado com certa facilidade, se for necessário, ao passo que o “fardo” do v. 5 é de tal natureza que, não importa quais sejam as circunstâncias, deve continuar a ser suportado. Cada soldado deverá levar seu próprio equipamento; esta é sua responsabilidade. Às vezes, talvez ajude a outros a levar seus fardos. Ele será chamado a dar contas de seu próprio fardo, mas não necessariamente dos fardos dos outros. É digno de louvor aquele que leva os fardos dos outros, mas é indesculpável negligenciar os próprios. Não devemos impor fardos sobre os outros, não importa quanta carga nos tenha sido imposta. Paulo não quer dizer que Deus deixa as pessoas levarem as cargas sozinhas. Jesus Se oferece para ajudar a levá-las (ver com. de Mt.11:30). Alguns cristãos cometem o erro de não compartilhar seus fardos com Jesus. Ele convida a todos para ir a Ele e promete alívio da labuta que nunca poderia ser suportada pelas próprias forças (ver Mt.11:28-30).

Gl.6:6 6. Mas aquele que está sendo instruído na palavra faça participante de todas as coisas boas aquele que o instrui.

Instruído na Palavra. Ou, “recebe instrução na Palavra”.

Participante. Do gr. koinoneo, “ter comunhão com”, “compartilhar com”, “ser participante com” (ver Rm.15:27; 1Tm.5:22; Hb.2:14; 1Pe.4:13; 2Jo.11). Os gálatas bem podiam ter esse tipo de companheirismo com Paulo. Aquele que “é ensinado” no evangelho deve ter o propósito de compartilhar todas as “coisas boas” que os mestres lhe transmitiram. Isso o ajudará a “provar o seu labor” e “o seu próprio fardo”. Também tem sido sugerido que Paulo recomenda o sustento do ministério do evangelho por aqueles que se beneficiam dele. Se foi isso que o apóstolo quis dizer, sua afirmação parece ter pouca relação direta com o contexto.

Aquele que o instrui. Ou seja, cada mestre cristão, embora Paulo se refira principalmente a si mesmo.

Gl.6:7 7. Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará.

Não vos enganeis. Deus considera cada pessoa responsável pelas “coisas boas” que seus mestres cristãos lhe transmitiram (v. Gl.6:6). Ele responsabilizará aos gálatas pela instrução que Paulo lhes deu.

Zomba. Do gr. mukterizo, “zombar”, “levantar o nariz para”. Os que zombam de Deus, considerando levianamente o conselho que Ele envia, terão que sofrer as consequências de sua conduta.

Aquilo. O princípio aqui estabelecido é verdadeiro tanto no reino das coisas espirituais, como nas relações sociais e no mundo físico. É uma lei imutável que as coisas se reproduzem conforme sua espécie (ver com. de Gn.1:12). Assim, aquele que semeia “joio” não pode esperar colher trigo.

Gl.6:8 8. Porque o que semeia para a sua própria carne da carne colherá corrupção; mas o que semeia para o Espírito do Espírito colherá vida eterna.

A própria carne. Ver com. de Gl.5:13; Gl.5:17; Gl.5:24. Paulo se refere àqueles que não tentam conter os próprios desejos e inclinações carnais (Gl.5:19-21). Unicamente a pessoa que resiste ao mal pode esperar ser livre de sua influência e seus resultados. No versículo anterior, a atenção está centrada no tipo de semente semeada; neste o foco está no terreno no qual ela é lançada (comparar com a parábola do semeador, ver com. de Mt.13:3-9). Quando o solo é a “carne”, o fruto certamente é ruim.

Semeia para o Espírito. Equivalente a ser “guiados pelo Espírito” (ver com. de Rm.8:14; Gl.5:16). Nenhum melhor exemplo disso pode ser citado do que a vida do apóstolo Paulo. Ele sabia por experiência do que falava (cf. At.13:1-2; At.16:6-7).

Gl.6:9 9. E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos.

Não nos cansemos de fazer o bem. Ou seja, no sentido de avançar aonde o Espírito nos guiar (ver com. do v. Gl.6:8) e de seguir levando “o fruto do Espírito” (Gl.5:22-23). Os cristãos, especialmente, nunca devem se cansar de suportar os “fardos” de seus semelhantes (Gl.6:2). Esse serviço motivado pelo amor nunca se torna cansativo. O exemplo de nosso Senhor em ministrar às necessidades daqueles que O rodeavam é o supremo ideal do serviço cristão.

A seu tempo. Isto é, na época da colheita. Embora o espírito motivador do serviço cristão seja o amor, são prometidas recompensas (ver Ap.22:12). Cristo ilustrou a concessão de recompensas eternas, comparando-as com a época da colheita (ver Mt.13:39-43). Deus já especificou o tempo para a colheita na Terra (ver At.17:31). Aqueles que semeiam a boa semente na vida presente, semente que, no momento, parece desperdiçada em solo inóspito, têm a garantia de reconhecimento no grande dia da colheita. Então, cada um receberá a recompensa merecida, a qual será de acordo e proporcional à semeadura (Mt.16:27; Ap.22:12; sobre o critério pelo qual Deus determina a recompensa, ver com. de Mt.20:1-16).

Se não desfalecermos. Só quem perseverar até o fim pode esperar receber a recompensa por haver praticado o bem. Com frequência, muitos que pareciam ser soldados da cruz têm renunciado à luta cristã e desistido. Vencidos pela tentação ou desanimados no caminho, eles se cansaram de seguir o Mestre. Paulo cita o caso de Demas, um de seus fiéis colaboradores, que foi atraído pelas coisas do mundo e voltou ao seu antigo modo de vida (2Tm.4:10; Cl.4:14). Quantas vezes essa experiência se repetiu desde os primeiros dias de Paulo! Por outro lado, uma imagem de extremo heroísmo é apresentada na atitude corajosa dos milhares de mártires cristãos que enfrentaram as mortes mais cruéis, em vez de abandonar sua firme confiança nAquele que os redimiu de seus pecados.

Gl.6:10 10. Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé.

Oportunidade. Paulo extrai uma conclusão de sua metáfora da semeadura e da colheita (v. Gl.6:7-9). Há tempo de semear, há tempo de colher. A época da colheita está nas mãos de Deus, a época de semeadura, nas nossas. A pessoa guiada pelo Espírito pode esperar constante guia e conselhos, a fim de aperfeiçoar ao máximo, as oportunidades da época da semeadura (v. Gl.6:8). É necessária mais do que sabedoria humana para avaliar as oportunidades do tempo à luz da eternidade e saber como aproveitar ao máximo as oportunidades que se apresentam. Como trabalhadores na vinha do Mestre (ver com. de Mt.20:1-16), devemos orar para saber quando e como trabalhar de modo mais eficaz. Portanto, o cristão é responsável diante de Deus não só por servir, mas também pela forma como serve.

Família da fé. Isto é, a igreja (ver 1Sm.3:15; Ef.2:19; 1Pe.4:17;). A igreja tem uma obrigação com todas as pessoas em todos os lugares (ver Mt.28:19, 20); porém, em primeiro lugar com seus próprios membros. Isso é verdade tanto nos assuntos espirituais como nos materiais. A igreja não pode servir ao mundo de modo aceitável, a menos que sua própria casa esteja em ordem.

Gl.6:11 11. Vede com que letras grandes vos escrevi de meu próprio punho.

Com que letras grandes. Ainda não está claro se Paulo se refere aqui a toda a epístola ou apenas aos v. Gl.6:11-18. A maior parte das epístolas de Paulo foi ditada a um escriba ou amanuense (cf. Rm.16:22). No entanto, alguns anos antes desse tempo, ele começou o costume de acrescentar uma breve seção de próprio punho, como garantia da autenticidade da carta (ver 1Co.16:21; Cl.4:18). Possivelmente, algumas cartas tinham sido forjadas em seu nome (ver 2Ts.2:2; 2Ts.3:17). Aqueles que consideram que Paulo escreveu toda a epístola, sem a ajuda de um amanuense, sugerem que não havia nenhum escriba cristão adequado para a tarefa. No entanto, geralmente se admite que a epístola aos Romanos foi escrita por volta do mesmo tempo que a epístola aos Gálatas. E, ao escrever a anterior, Paulo fez uso dos serviços de um escriba chamado Tércio (Rm.16:22).

A suposição mais adequada é que o próprio Paulo escreveu somente a seção de encerramento de Gálatas. Se toda a epístola foi escrita diretamente pelo apóstolo, esse foi um dos únicos casos (incluindo-se a epístola a Filemom), portanto, a probabilidade de que a tenha escrito é mínima. O fato de que Paulo escrevera com “letras grandes” sugere que, pelo menos no momento em que ele escreveu aos Gálatas, sua caligrafia estava imperfeita. A grande erudição de Paulo exclui a possibilidade de que o apóstolo não soubesse escrever de modo aceitável. Alguns têm sugerido que sua má caligrafia era o resultado da visão deficiente (ver com. de 2Co.12:7-9; Gl.4:15); outros, que suas mãos tinham sofrido lesões mais ou menos permanentes devido aos maus-tratos infligidos pelos seus perseguidores (cf. 2Co.11:24-27).

Escrevi. A forma do verbo em grego permite também a tradução interpretativa: “escrevo” ou “estou escrevendo”. No NT, há outros casos em que o autor da epístola considera que escreve no momento do ponto de vista daqueles que a leem (Fm.19; 1Pe.5:12; 1Jo.2:14; 1Jo.2:21; 1Jo.2:26). Os que acreditam que Paulo se refere aqui apenas ao pós-escrito usam a tradução “estou escrevendo”. Aqueles que pensam que ele se refere a toda a carta utilizam o verbo no passado: “escrevi”.

Gl.6:12 12. Todos os que querem ostentar-se na carne, esses vos constrangem a vos circuncidardes, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo.

Todos. Paulo identifica os falsos mestres com os ensinamentos que ele menciona em toda a epístola.

Ostentar-se. Eles queriam uma prova concreta do êxito de seus esforços. Poderiam obtê-la fazendo os cristãos retornarem a certas observâncias da lei, especialmente à circuncisão, que havia chegado a seu fim com o evangelho.

Somente para não serem perseguidos. Este aparente zelo dos falsos mestres não era devido a um amor genuíno pela causa que defendiam, mas pelo desejo de evitar que fossem perseguidos por seus irmãos judeus. Se manifestassem sua lealdade às cerimônias judaicas, como a circuncisão, basicamente não seriam diferentes dos outros judeus e, assim, poderiam evitar a perseguição que Paulo e outros líderes cristãos haviam sofrido. Por esse tipo de concessão, talvez estivessem tentando misturar o cristianismo com o judaísmo. O notável êxito desse sistema nas igrejas da Galácia é uma evidência do efeito das concessões religiosas do primeiro século. Desde então, tem-se buscado acomodar a verdade e o erro, com resultados mais permanentes. O temor do ridículo e da perseguição ainda é responsável por alguns componentes no ensino e na prática. O evangelho puro nunca é popular para a maioria, que se satisfaz com a mera forma de piedade e que carece de seu poder (ver 2Tm.3:5).

Gl.6:13 13. Pois nem mesmo aqueles que se deixam circuncidar guardam a lei; antes, querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne.

Aqueles. Os judaizantes.

Guardam a lei. Ver com. de Gl.2:16. Paulo quis dizer que eles não guardavam toda a lei. Ele já havia observado que aquele que é circuncidado é obrigado a guardar toda a lei (ver Gl.3:10; Gl.5:3). Esses falsos apóstolos não eram sinceros nem coerentes. Na realidade, seria impossível para eles observar escrupulosamente cada detalhe da lei num ambiente gentílico.

Para se gloriarem na vossa carne. Se os judaizantes obtinham êxito em fazer prosélitos, recebiam louvor e glória dos judeus ortodoxos. Seu objetivo era convencer seus compatriotas judeus devotos de que, como cristãos, eles ainda eram bons judeus e, dessa maneira, conseguiriam o favor das autoridades judaicas. Demonstrando zelo pela lei, esperavam evitar a perseguição.

Gl.6:14 14. Mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo.

Longe esteja de mim. Literalmente, “que não seja”, uma afirmação muito vigorosa.

Gloriar-me. Ou, “orgulhar-me” (comparar com 2Co.5:12; 2Co.11:18; 2Co.12:1).

Senão na cruz. Paulo escreveu aos coríntios que era seu propósito tornar a cruz suprema em sua vida e no ministério (1Co.2:2). Em Coríntios, a cruz está em contraste com a “linguagem persuasiva de sabedoria” (1Co.2:4), na qual ele se estribou em Atenas. A cruz se destaca nesta passagem com o sistema legal judaico (Gl.6:13). Ele poderia ter se vangloriado sobre seu passado e as realizações judaicas, que eram muito maiores do que as de seus oponentes (2Co.11:22). Nas poucas ocasiões em que Paulo mencionou sua origem judaica, foi com o propósito de defender seu apostolado, e não para exaltação própria. Isso não significava que ele relutasse em se identificar como judeu. Mesmo que não apoiasse os ensinos nem a conduta dos fariseus, havia considerado seu anterior apego a essa seita como um motivo para confiar na carne (ver Fp.3:4-6; At.23:6). Paulo reconhecia as vantagens do judaísmo (ver com. de Rm.3:1-2). Havia vantagens nas formas de culto instituídas por Deus em conexão com os serviços do santuário, mas eram todas destinadas a levar o adorador a ter uma compreensão mais clara de Deus e de Seus requisitos. Os gálatas estavam sendo influenciados a voltar a essas formas como meios de salvação (sobre a “glória” da cruz, ver com. de Jo.3:16; Fp.2:6-8).

O mundo está crucificado. O “mundo” aqui é equivalente a “carne” (em Gl.5:16-21). Estes não tinham mais influência sobre o pensamento e a conduta de Paulo. Era como se já não existissem (sobre a relação com o “mundo” e a “carne”, ver com. de Gl.5:24; ver também com. de Fp.3:8-11).

Eu para o mundo. Ver Gl.2:20.

Gl.6:15 15. Pois nem a circuncisão é coisa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura.

Circuncisão. Ver com. de Gl.5:6; 1Co.7:19. Os ritos e as formas exteriores não são questões importantes para o cristão.

Nova criatura. Ou seja, uma nova criação, ou então, tanto o ato da criação como o ato de ser criado assim (ver com. de 2Co.5:17; 1Co.7:19). Portanto, o que tem importância suprema é: (1) a fé que provém do amor; (2) o resultado da fé, um novo ser em Cristo Jesus; e (3) a evidência exterior, visível dessa transformação, ou seja, a obediência à vontade de Deus, expressa em Sua lei. Não há mudança de caráter como resultado da circuncisão, mas a nova criação traz uma nova pessoa à existência.

Gl.6:16 16. E, a todos quantos andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus.

A todos quantos andarem. Isto é, todos os que vivem de acordo com o princípio dos v. Gl.6:14-15, quer judeus, quer gentios (ver com. de Gl.3:27-29; Gl.5:16). Não há grupos privilegiados na igreja cristã. Essa boa notícia da igualdade espiritual trazia grande alegria a todos os gentios a quem Paulo pregava. O crescimento cristão depende do conhecimento da verdade e da disposição em “andar” em harmonia com ela (ver 2Pe.3:18; ver com. de Mt.7:21-27).

Regra. Do gr. kanon, “regra”, “princípio”, “lei”, “padrão”, “esfera de atividade”. Paulo se refere à “regra” ou ao “padrão” da justiça em Cristo estabelecidos nos v. Gl.6:14-15.

Paz. Ver com. de 2Co.1:2; cf. Mt.10:13.

Israel de Deus. Ou seja, o Israel espiritual, incluindo judeus e gentios (ver Gn.32:28; Rm.2:28-29; Gl.3:7-8). Eles fazem parte de um só corpo, a igreja de Jesus Cristo.

Gl.6:17 17. Quanto ao mais, ninguém me moleste; porque eu trago no corpo as marcas de Jesus.

Ninguém me moleste. Paulo considera o assunto resolvido. Havia dito nesta epístola tudo o que julgou necessário sobre o assunto. Não havia mais nada a acrescentar. Respondera a todos os argumentos de seus adversários. A ideia de arranjar um compromisso entre o cristianismo e o judaísmo, combinando elementos dos dois não vale uma análise mais aprofundada, e ele se negava a dedicar mais tempo ou atenção a isso (ver com. dos v. Gl.6:12-13).

Marcas. Do gr. stigmata, “marca”, assinalando escravos ou outra propriedade com o nome do proprietário ou símbolo de identificação. Os cativos eram marcados assim e, não raro, os soldados recebiam a marca com o nome de seu comandante. Conta-se que os escravos ou devotos dos templos de uma divindade também eram marcados assim como prova de sua devoção. Por “marcas de Jesus”, Paulo se refere às cicatrizes deixadas em seu corpo pela perseguição e pelo sofrimento (ver 2Co.4:10; 2Co.11:24-27). Seus opositores insistiam em obrigar seus conversos gentios a aceitar a marca da circuncisão como sinal de sua submissão ao judaísmo. Contudo, Paulo tinha marcas que indicavam de quem ele havia se tornado escravo, e para ele não havia outra lealdade a não ser a Cristo (ver com. de Gl.6:14). As cicatrizes feitas nele por seus inimigos, enquanto estava a serviço de seu Mestre, falavam de forma eloquente sobre sua consagração a Cristo. A maioria dessas cicatrizes testificava do ódio radical dos judeus (ver com. de Gl.5:11).

Gl.6:18 18. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja, irmãos, com o vosso espírito. Amém!

Graça. Ver com. de Rm.1:7; Rm.3:24; 2Co.13:14; 2Tm.4:22; Fm.1:25. Ao longo da epístola, Paulo destacou o fato de que somente se alcança a salvação por meio da graça, e que ela nunca pode ser conquistada pelas obras. Não há outra maneira de estar em paz com Deus. A graça é mais do que um atributo passivo de Deus; é o amor divino e a bondade divina em ação. Paulo conclui assim seu apelo às igrejas da Galácia, cujos membros ele amava e pelos quais sentia uma solícita preocupação.

Irmãos. A mesma forma de tratamento com a qual Paulo começou a epístola (Gl.1:2). Tinha em estima a comunhão com eles, plenamente confiante de que aceitariam seu conselho (ver com. de Gl.5:10). O fato de que nada mais se ouvira dos problemas na Galácia sobre o assunto dos judaizantes é o testemunho silencioso do êxito que alcançou com esta exortação.

Vosso espírito. Ou seja, vós (cf. com. de SI.16:10).

Amém. Ver com. de Mt.5:18. O posfácio depois do v. 18 não consta em nenhum manuscrito mais antigo, e não fazia parte do registro original, inspirado. Há um consenso geral de que essa epístola foi escrita de Corinto durante a terceira viagem missionária de Paulo (ver p. 91, 92; comparar com. de Rm.16:27; 1Co.16:24, e os sobrescritos de alguns dos salmos; ver vol. 3, p. 695).